Por Marli Olmos, Valor — São Paulo
05/06/2023 19h48 Atualizado há 14 horas
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se destacou nas intervenções que fez para melhorar a estrutura de um plano que inicialmente promovia apenas a venda de carros. O programa anunciado hoje deixa de ser mais um estímulo ao transporte individual e de incentivos a montadoras. Ao agregar financiamento para tirar das ruas caminhões e ônibus com mais de 20 anos dá um passo importante para um transporte público mais digno e o de carga mais seguro. Mas falta dizer como essa troca de caminhão e ônibus velhos por novos vai funcionar. Já o programa para reduzir preços dos carros continua frágil.
Outra novidade interessante no formato final do programa é a reoneração parcial do diesel. Independentemente do que possa pesar no cálculo da pressão inflacionária, o mecanismo usado para pagar a conta do programa automotivo dá um sinal, ainda que tímido, de um país mais alinhado à diminuição do uso de combustíveis fósseis, uma tendência mundial.
Embora difícil de implementar, o programa de renovação de frota de caminhões e ônibus, que chegou a ser lançado no governo de Jair Bolsonaro, mas não foi implementado, é uma necessidade urgente. Seja pela questão de segurança dos veículos com 20, 30 ou mais anos que rodam pelas estradas, seja pela quantidade de poluentes que essas velharias jogam na atmosfera.
Fica faltando o governo detalhar como funcionará o financiamento na troca do caminhão velho pelo novo. Segundo anunciado, o menor crédito, para caminhões leves e micro-ônibus, será de R$ 36,6 mil. O maior, de R$ 99,4 mil, alcançará ônibus e caminhões pesados. Mas como será feita essa troca? E qual será o destino dos veículos velhos? O governo precisará organizar o destino desse ferro-velho.
Em relação aos automóveis, o programa certamente ajudará a indústria a desovar estoques por um tempo. E atrairá o consumidor que estava na dúvida ou só conseguia comprar um modelo seminovo.
Mas continua a ser um programa frágil. Primeiro, porque as montadoras não têm demonstrado interesse em voltar-se à produção de carros compactos, como foi na época dos modelos mais simples com motor 1.0. Mesmo com desconto, que pode chegar a R$ 8 mil, como foi anunciado, para carros de até R$ 120 mil, a maior parte dos veículos em fabricação no Brasil hoje estão longe de atender a toda a camada de consumidores que permanece fora do mercado dos zero-quilômetro.
Outro problema está no tempo estimado de duração dos preços mais baixos para automóveis – quatro meses. É bem provável que as vendas aumentem durante esse período para, depois, cair abruptamente. O ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, conta com a expectativa de a taxa de juros cair nesse período, o que, de certa forma, serviria para manter o consumidor no mercado de novos mesmo que os preços aumentem. O tempo e o consumidor dirão.
O que aconteceu com os caminhões este ano serve como ilustração. Desde o ano passado os frotistas já sabiam que em janeiro os preços subiriam entre 20% e 25% como resultado de inclusão de equipamentos para atender a uma nova lei de emissões, a Euro 6.
Muitos frotistas anteciparam as compras e o mercado despencou desde janeiro. A indústria agora enfrenta excesso de capacidade, com parte dos empregados em casa, em férias coletivas ou com os contratos de trabalho suspensos. O mesmo pode acontecer com os automóveis assim que o programa de incentivos terminar.
Haddad também percebeu ser tempo demais os 15 dias que pedira para analisar se o programa anunciado em 25 de maio infringiria a Lei de Responsabilidade Fiscal. As vendas dos carros da faixa beneficiada pelo programa paralisaram desde então. O ministro, então, apressou-se para evitar mais tumulto no mercado. Reduziu a conclusão de sua análise para uma semana e ajudou a elaborar um programa ampliado – ou “repaginado” como ele mesmo disse.
Nos últimos dias, Haddad e outros ministros ouviram e observaram muito. Receberam visitantes com outro olhar do programa. E também surgiram novas demandas. Representantes dos metalúrgicos do ABC estiveram com o governo, por exemplo, para não apenas para se queixar de que garantia de emprego não estava na negociação com as montadoras como também para alertar que a indústria de caminhões passa por uma crise pior do que a de carros.
Na sexta-feira passada, Haddad acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa visita à Eletra, fabricante brasileira de ônibus elétricos localizada em São Bernardo do Campo (SP), berço da carreira sindical de Lula. Mais do que ser um simbolismo e de remeter Lula aos tempos de sindicato, a visita mostrou como aquela base operária metalúrgica também pode participar das inovações em eletromobilidade no transporte público.
Os ônibus Eletra têm tecnologia de tração elétrica da própria empresa, carroceria Caio, chassis Mercedes-Benz e Scania e baterias, inversores e motores elétricos WEG.
Além de Haddad, Lula levou outros seis ministros: Alckmin, Renan Filho (Transportes), Márcio França (Portos e Aeroportos), Camilo Santana (Educação), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
Fonte: Valor Econômico

