A seis meses da eleição presidencial dos EUA, Joe Biden mostrou nesta semana estar disposto a colocar ainda mais em risco a defesa americana de longa data do livre comércio para impedir o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Na terça-feira (14), seu governo lançou uma série de medidas protecionistas, pensadas para atrair trabalhadores da classe operária e reforçar a base industrial dos EUA. Entre elas, quadruplicou a tarifa de importação dos veículos elétricos (VEs) chineses, dobrou a das células solares do país e mais do que triplicou a das baterias chinesas de íon de lítio para VEs. A esta altura, ainda não está claro se houve algum ganho político. Mas, para os EUA e o resto do mundo, as medidas provavelmente farão mais mal do que bem.
As tarifas comerciais adicionais sobre US$ 18 bilhões em produtos chineses se somam às aplicadas por Trump sobre outros US$ 300 bilhões. A nova tarifa de 100% sobre os VEs é mais simbólica, já que a porcentagem desses veículos que os EUA importam da China é de apenas 2%. Mas as tarifas aumentarão o custo das fabricantes de baterias, que já sofrem com altas despesas. Outras fabricantes serão afetadas por custos de insumos mais altos. A longo prazo, o aumento das tarifas isola a indústria americana da concorrência, dificulta a inovação e aumenta os custos para os consumidores. E isso sem levar em conta o impacto de uma possível retaliação da China, que domina cadeias de suprimentos essenciais para a economia americana.
O governo poderia argumentar que as exportações chinesas são altamente subsidiadas e uma ameaça a seus esforços, incluídos na Lei de Redução da Inflação (IRA) e na Lei Chips, para fomentar tecnologias estratégicas e ecológicas feitas nos EUA. Há certa lógica nisso, mas impor tarifas não é a solução.
Primeiro, os investimentos sob as leis Chips e de Redução da Inflação de Biden, que visam elevar a produção americana de semicondutores, também são limitados pela falta de mão de obra, longos processos de licenciamento e incertezas políticas. Segundo, as cadeias de suprimentos globais são ágeis. Após os primeiros esforços dos EUA para vetar os painéis solares baratos, algumas empresas chinesas começaram a redirecioná-los via Sudeste Asiático. Isso levanta a dúvida sobre a capacidade dos EUA de aplicarem regras para bens chineses enviados por meio de terceiros países ou levemente processados por eles.
Infelizmente, a lógica política também pode levar Washington a impor mais tarifas: Trump já disse que aplicaria uma taxa de 200% sobre automóveis chineses produzidos no México. A medida de Biden pressiona a Europa a seguir o exemplo, para não ser inundada por produtos chineses redirecionados. Isso ameaça espalhar ainda mais os malefícios das tarifas.
As medidas são um golpe para a transição verde dentro, e possivelmente fora, dos EUA. Com as famílias americanas já sob pressão do alto custo de vida, preços mais baixos para veículos elétricos e painéis solares agora vão parecer uma oportunidade perdida.
Quanto aos receios sobre práticas desleais no comércio exterior e quaisquer riscos à segurança nacional, Biden poderia ter condicionado a aplicação das medidas. Pequim tem praticado uma série de medidas protecionistas para inclinar o comércio a seu favor. Mas nenhuma condição foi imposta à China para que as tarifas possam ser reduzidas. A abordagem generalizada de Biden traz o risco de transformar uma política pragmática de redução da exposição a riscos em uma perigosa política de descasamento.
Mas isso se trata, principalmente, de uma questão de percepção pública. Os índices de aprovação de Biden, em especial os da confiança em sua gestão da economia, estão em queda. As tarifas visam apaziguar eleitores nas regiões industriais, como Pensilvânia e Michigan — dois dos chamados Estados-pêndulo (que ora votam nos democratas, ora nos republicanos). As medidas correm o risco de transformar a campanha eleitoral em uma guerra de lances para determinar quem é mais agressivo contra a China, uma guerra que Trump já assumiu como sendo sua. Ainda assim, a saraivada de medidas de Biden em apoio à indústria pode arregimentar o apoio de eleitores indecisos e ajudá-lo a impedir uma segunda Presidência de Trump, que dizem alguns, poderia ser marcada por mais caprichos do que a primeira. Mesmo assim, é lamentável que, para isso, o crescimento mundial e o avanço no combate às mudanças climáticas tenham que virar reféns.
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Fonte: Valor Econômico

