Se havia alguma dúvida de que Donald Trump mergulharia de cabeça no “EUA em primeiro lugar”, ele as dissipou na segunda-feira (15) com sua escolha para vice-presidente. JD Vance é o líder de torcida trumpista de maior visibilidade entre os republicanos de alto escalão.
Trump poderia ter optado por conter sua aversão a Nikki Haley e escolhido a ex-governadora da Carolina do Sul, a pré-candidata que mais o fez suar nas primárias republicanas. Haley é relativamente moderada quanto ao aborto. Selecioná-la, ou algum nome com pensamento parecido, teria sinalizado seu desejo de ampliar seu poder de atração entre as republicanas suburbanas indecisas.
Vance, por outro lado, é um cristão conservador sem remorsos. Se Joe Biden puder encontrar um raio de luz na sombria tempetade que se aproxima, esse seria Vance. A vice-presidente de Biden, Kamala Harris, é uma ativista efetiva do direito das mulheres de escolher.
Optar por Vance é, portanto, sinal de que Trump está se sentindo muito confiante. As escolhas para vice-presidência raramente têm um impacto discernível nos resultados das eleições. No entanto, elas sinalizam o que o candidato está pensando. Biden escolheu a jovem mestiça Harris em 2020 para equilibrar o fato de que ele era um homem branco idoso. Em contraste, Trump está tão confiante no apoio de seu partido que escolheu a coisa mais parecida a um “mini-Trump” que pôde encontrar.
Haverá muito barulho quanto ao fato de que Vance costumava ser opositor de Trump. Em 2016, ele disse a um ex-colega de quarto da faculdade que Trump poderia ser o “Hitler americano”. O trumpismo era “heroína cultural” para o mundo operário americano, disse Vance. Os democratas tentarão explorar o antigo desprezo de Vance pelo novo chefe.
É irônico que Vance foi um dos primeiros a acusar Biden de ter incitado a tentativa de assassinato de Trump no sábado. Diferentemente de Vance, Biden nunca comparou Trump a Hitler. Não é difícil retratar Vance como um oportunista descarado que viu na reverência a Trump o único caminho a seguir no Partido Republicano dos dias de hoje. Também há os laços estreitos entre Vance e o dinheiro do Vale do Silício. Sua campanha para o Senado de Ohio em 2022 foi em grande medida financiada por Peter Thiel, o investidor de capital de risco da Costa Oeste e um dos primeiros apoiadores de Trump. A escolha de Vance foi recebida com entusiasmo por Elon Musk, que é amigo de Thiel e apenas endossou Trump há dois dias, após o atentado contra o ex-presidente na Pensilvânia.
Seria negligente da campanha democrata não explorar a tensão entre as raízes operárias de Vance, que são genuínas, e seus patrocinadores plutocráticos.
Vance, porém, não é nenhum ingênuo. Independentemente de sua reviravolta em relação a Trump, ele é um exponente inteligente e vigoroso do trumpismo. Aos 39 anos, ele também pode afirmar ser o futuro do trumpismo. Nenhum senador republicano fez tanto para promover o Projeto 2025 organizado pela Heritage Foundation, que explica o trumpismo em grande detalhe. Vance preenche todos os requisitos. É um nacionalista cristão, crítico da globalização, tem profundo ceticismo quanto à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental) e acredita na existência do “Estado profundo”, que ele quer desmantelar. Haley não se encaixa em nenhum desses critérios.
Sua ascensão pode acabar se revelando útil para Harris, se ela conseguir explorar o histórico dele de ter apoiado uma proibição nacional do aborto. Também é boa notícia para Vladimir Putin, da Rússia. Vance se opôs de forma constante ao fornecimento de mais auxílio militar dos EUA à Ucrânia. Mas ele vai muito além disso. Ele é admirador declarado de Viktor Orbán, da Hungria, e um queridinho desse circuito transatlântico de extrema direita.
Ao escolher Vance, Trump está fazendo duas sinalizações. Primeira, ele espera vencer em novembro. Segunda, ele quer colocar em prática por completo a agenda Maga [acrônimo em inglês de um dos lemas de Trump, “Tornar os EUA Grandes de Novo”]. O foco dos democratas estará nas fraquezas e no oportunismo carreirista de Vance, como deveria estar. Mas eles também deveriam observar a patente sensação de confiança de Trump. Não está claro se ela é descabida.
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Fonte: Valor Econômico

