Quando comboios de tanques israelenses e veículos blindados de transporte de pessoal atravessaram terrenos baldios na Faixa de Gaza na noite de sexta-feira (27), isso marcou o início de uma nova fase na guerra.
Quer se trate da invasão em grande escala que Israel tem ameaçado, ou de incursões mais limitadas mas sustentadas na estreita faixa de terra costeira sitiada, a escalada aumenta os riscos de um conflito mais amplo.
Em Israel, uma nação traumatizada e enfurecida pelo ataque mais mortífero da sua história, muitos sentirão sem dúvida que é hora de punir os responsáveis: o Hamas, o grupo militante islâmico que controla a Faixa de Gaza.
Na sexta-feira (27), as autoridades israelitas deixaram claro que o objetivo é destruir e erradicar o Hamas e colocar uma nova administração no enclave.
Para os 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza, a intensificação da ofensiva israelense trará medo e apreensão. Nas últimas três semanas, o território palestino sofreu o mais mortífero ataque israelense desde que o Hamas assumiu o controle do enclave em 2007.
Israel foi aconselhado por muitos dos seus amigos a evitar uma invasão em grande escala do território, especialmente porque mais de 200 reféns ainda estão nas mãos do Hamas e o número de civis palestinos mortos está aumentando.
O grupo militante está inserido na sociedade palestina e os seus combatentes vinham se preparando para uma ofensiva terrestre há anos, escondendo-se numa vasta rede de túneis conhecida como “Metrô de Gaza” e armazenando mantimentos e armas.
Um responsável do Hamas disse ao “Financial Times” que o grupo possui pelo menos 40 mil combatentes. A ela se juntará na batalha a Jihad Islâmica Palestina, uma facção islâmica menor que está mais próxima do Irã.
Especialistas militares comparam a tarefa de Israel com a enorme batalha para expulsar o Estado Islâmico (EI) da cidade iraquiana de Mosul em 2016-17. Ao contrário da missão de Israel, essa ofensiva foi apoiada por uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, com o apoio dos mundos ocidental e árabe. Foram necessários nove meses para livrar Mosul do EI.
Mesmo que Israel consiga matar ou capturar a liderança do Hamas e desmantelar a infraestrutura do grupo, destruir a sua ideologia e a razão da sua existência será absolutamente mais difícil. O desejo dos palestinos de resistir à ocupação da Cisjordânia por Israel e ao bloqueio da Faixa de Gaza não pode ser derrotado militarmente, alertam as autoridades árabes.
O risco mais amplo para Israel é que se abra outra frente na Cisjordânia, dirigida pela Autoridade Nacional Palestiniana, apoiada internacionalmente mas fraca.
Antes do início da última guerra, a Cisjordânia fervilhava de tensões e enfrentava o pior ciclo de violência desde que a segunda intifada, ou revolta palestina, terminou em 2005, quando as forças israelitas lançaram ataques quase diários no território.
Mais de 100 palestinos foram mortos na Cisjordânia desde o início do último conflito, em 7 de outubro, alguns em confrontos com as forças de segurança, outros em ataques de colonos judeus, segundo autoridades de saúde palestinas.
Uma perspectiva ainda mais sinistra é a abertura de frentes mais amplas na guerra que também arraste os Estados Unidos para o conflito.
Há duas semanas tem havido uma escalada constante de trocas de tiros entre o Hezbollah, poderoso movimento militante libanês apoiado pelo Irã, e as forças israelenses na fronteira norte de Israel.
Até agora, os confrontos, que também envolveram militantes palestinos baseados no Líbano, parecem contidos. Mas existe o risco de que possam evoluir para o tipo de conflito total que o Hezbollah e Israel travaram durante 34 dias em 2006.
O risco de um erro de cálculo que inadvertidamente o leve à fase seguinte pesa fortemente sobre muitos. Dezenas de combatentes do Hezbollah já foram mortos nas trocas fronteiriças — e quanto maior o número de mortos, maior a probabilidade de os líderes do grupo sentirem que precisam intensificar os seus ataques.
Se choverem foguetes sobre Israel provenientes de múltiplas frentes, os seus poderosos sistemas de defesa aérea poderão ser levados ao limite.
As autoridades americanas expressaram publicamente alarme quanto ao perigo de a guerra entre Israel e o Hamas alimentar uma conflagração regional, alertando o Irã para “ter cuidado” e enviando tropas adicionais para o Oriente Médio — grupos de ataque de porta-aviões e sistemas de defesa aérea para a região.
Washington também está consciente de que as tropas e americanos na região poderão enfrentar ataques crescentes de militantes apoiados pelo Irã, particularmente no Iraque e na Síria, onde há cerca de 2.500 e 900 soldados americanos destacados, respectivamente.
Nesta semana, os Estados Unidos atacaram duas instalações no leste da Síria que identificaram como ligadas às milícias apoiadas pelo Irã, após mais de uma dúzia de ataques de drones e foguetes contra forças e bases americanas no Iraque e na Síria desde 17 de outubro. Autoridades americana disseram que esses ataques foram ações de legítima defesa, mas foram mais um lembrete dos riscos de escalada.
O cenário mais perigoso é uma guerra total entre o Hezbollah e Israel que atraia os Estados Unidos, o Irã, seus representantes e, em última análise, as tropas americanas.
Analistas e diplomatas acreditam que o cálculo de Teerã é permanecer à margem do conflito. Mas se o Hezbollah intensificar os ataques a Israel com o apoio iraniano, os Estados Unidos poderão sentir-se compelidos a se juntar à batalha.
As forças alinhadas com o Irã pode ter como alvo o transporte marítimo dos EUA ou outras infraestruturas no Golfo Pérsico, como fizeram durante períodos anteriores de tensões elevadas entre os EUA e o Irã.
Não é de admirar que, desde as atrocidades cometidas pelo Hamas em 7 de outubro, os líderes árabes tenham alertado que a região está à beira do abismo.
Fonte: Valor Econômico

