A Secretária de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda tem uma tese para explicar a surpreendente queda da inflação dos serviços, que vem intrigando os analistas porque ocorre sem grandes dores do lado da atividade econômica.
Num box do boletim Macrofiscal, publicado nesta semana, os técnicos levantam a hipótese de que há uma mudança estrutural no setor de serviços desde a pandemia – provocada, entre outros, pela maior digitalização – que ajuda a conter os reajustes de preços.
Se a tese estiver correta, seria um fator positivo para ajudar o Banco Central a colocar a inflação na meta nos próximos anos, com menos prejuízo para o emprego e crescimento da economia.
“Isso explicaria, além de outros fatores de natureza temporária, a desaceleração mais forte do que a esperada para os preços dos serviços subjacentes ao longo deste ano, apesar do crescimento da massa de renda e do baixo desemprego”, disse a subsecretária da SPE Raquel Nadal, na entrevista de divulgação do boletim.
De julho a outubro, a chamada inflação subjacente de serviços, que são os preços mais sensíveis ao grau de aquecimento da economia, recuou para uma média mensal de 0,22%. No período imediatamente anterior, havia sido de 0,48%. Autoridades do Banco Central têm reconhecido, em pronunciamentos nas últimas semanas, que os serviços subjacentes estão surpreendendo.
Na teoria, a principal força para puxar essa inflação para baixo deveria ser a desaceleração da atividade, que ampliaria o grau de ociosidade da economia. Nas suas últimas reuniões, porém, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central passou a estimar um grau de ociosidade mais apertado, e não mais folgado.
Mas tem discutido a hipótese de a ociosidade ser maior do que a estimada, em virtude de supostos ganhos de produtividade obtidos a partir de reformas econômicas que ocorreram desde o governo Temer.
Essa tese, entretanto, não é unânime. O diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, vem lembrando que a inflação surpreendeu para baixo não apenas no Brasil, mas também em outras partes do mundo, apesar do mercado de trabalho apertado.
Cada país, argumenta, procura uma explicação individual – no caso do Canadá, por exemplo, a tese é que o aumento da imigração tem ajudado. Isso, segundo ele, é um indício de que existe uma força global por trás da queda da inflação e serviços.
O estudo da SPE identifica forças mais do lado global nessa queda da inflação de serviços.
Ele traça a linha de tendência entre a relação dos preços de serviços e de bens industrias. Até a pandemia, havia uma tendência clara, com o aumento dessa relação, ou seja, preços de serviços avançando mais do que os bens industriais.
Durante a pandemia, essa tendência se inverteu. Com as medidas de distanciamento social e o reforço da renda provocado por benefícios governamentais, os consumidores deixaram de usar serviços e passaram a comprar mais bens. Houve ruptura e sobrecarga em algumas cadeias produtivas, pressionando os preços de bens, que passaram avançar mais rápido. Já a alta dos preços de serviços se desacelerou.
Desde o fim das medidas de distanciamento social, os preços de bens industriais passaram a crescer de forma menos acelerada, retomando a velocidade de antes da pandemia. Mas o nível de preços de bens segue mais alto comparado com os serviços, ou seja, não voltou aos patamares anteriores.
Já os preços de serviços deram uma avançada depois do fim das medidas de distanciamento social, mas seguem crescendo a uma velocidade inferior à de antes da pandemia.
O trabalho da SPE examina as causas desses desvios de preços de serviços e industriais em relação à tendência de antes da pandemia. Se eles voltarem ao que eram antes, poderia haver uma contribuição positiva para baixar a inflação em até 3 pontos percentuais.
Para voltar ao que eram, depende do que tirou da tendência anterior. Se forem fatores temporários, podem voltar ao mundo de antes; se forem fatores estruturais, não haverá retorno, pelo menos onde a vista alcança.
Quanto aos bens industriais, há argumentos para os dois lados. Pode ser que as rupturas nas cadeias produtivas ainda não foram totalmente reparadas, o que daria uma esperança de que a alta de preços é temporária.
Mas pode ser que, na verdade, esses preços estão sofrendo uma alta estrutural por questões geopolíticas. A pandemia levou muitas empresas a repensar suas cadeias produtivas, para evitar rupturas. Esse processo foi aprofundado por guerras a disputas geopolíticas, que, por exemplo, levaram empresas americanas a realocar parte da produção a China para o México.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem chamado atenção para essas forças geopolíticas, que segundo ele poderiam provocar uma pressão mais prolongada sobre os preços industriais.
Quanto aos serviços, o estudo da SPE diz que a política monetária já pode estar agindo para disciplinar esses preços. Também pode ter havido uma ajuda da queda recente dos preços das commodities e alimentos, que servem de insumo de alguns setores, como restaurantes.
Mas o texto da SPE coloca um peso maior num fator estrutural. “O crescimento da digitalização em serviços, possibilitando aumento da competição e redução de custos de contratação, pode ter elevado o dinamismo e o potencial produtivo desse setor”, diz o relatório.
Caso as conjecturas da SPE estejam certas, os bancos centrais terão uma força mais estrutural importante para ajudar no controle da inflação.
Fonte: Valor Econômico

