Os EUA terão uma Superterça como nunca houve. Nesta terça-feira o país terá o principal dia do seu processo de prévias partidárias, que escolhe os candidatos presidenciais dos dois principais partidos. Mas a disputa já está definida. E os dois virtuais candidatos à Presidência, Joe Biden e Donald Trump, têm mais a perder na Superterça do que a ganhar.
A Superterça costuma ser o auge do processo de escolha dos candidatos à Presidência dos EUA. É o dia em que o maior número de Estados realiza suas prévias partidárias: serão desta vez 16 Estados e o território americano de Samoa Ocidental. Estará em jogo um terço dos delegados que, ao final, escolherão os candidatos nas convenções dos partidos.
Desde que começou a ocorrer, nos anos 70, a Superterça costuma coroar um vencedor na disputa pela candidatura presidencial ou ao menos indicar um claro favorito.
Mas esta Superterça será diferente de qualquer outra na história política americana.
Primeiro porque os vencedores das prévias já estão virtualmente definidos antes da Superterça, ainda que matematicamente não confirmados. O presidente Joe Biden será o vencedor das prévias no Partido Democrata. E o ex-presidente Donald Trump vencerá no Partido Republicano. Isso nunca ocorreu antes. Ao menos uma das disputas (democrata ou republicana) sempre esteve aberta na Superterça. Desta vez não.
No caso de Biden, é normal que um presidente no cargo ganhe com facilidade as prévias do seu partido. Nunca aconteceu de um presidente perder a candidatura presidencial nas prévias. Mas também nunca ocorreu antes o fato de o partido na oposição já ter definido a disputa antes da Superterça.
Por isso, quase não há expectativa sobre quem vencerá em quais Estados. Biden e Trump devem levar todos os Estados em disputa nesta Superterça, algo que também nunca ocorreu.
Uma vitória desse porte deveria significar a consagração para qualquer candidato. Mas, com a disputa definida, os dois têm mais a perder do que a ganhar com a Superterça. Tanto Biden como Trump estão sendo contestados por uma parcela significativa dos eleitores de seus próprios partidos. E podem sair politicamente fragilizados da vitória, o que parece um contrassenso.
Biden ganhou todos as prévias democratas até agora. Mas pesquisas vêm indicando que um número cada vez maior de americanos, e de eleitores democratas, acredita que Biden, de 81 anos, está velho demais para o cargo.
Uma pesquisa do jornal “The New York Times” desse fim de semana indicou que 73% dos eleitores registrados como democratas concordam plenamente ou parcialmente que Biden é velho demais para ser um presidente eficaz. Nessa mesma pesquisa, Trump lidera as intenções de voto no país com 48%, contra 43% de Biden. Outras pesquisas também mostram Trump à frente.
Quanto mais exposição Biden tem, maior o risco de ele cometer gafes como a da semana passada, quando confundiu Gaza com a Ucrânia num pronunciamento. Gafes assim não indicam que uma pessoa não está mentalmente apta para exercer a Presidência dos EUA. Biden sempre cometeu gafes, mesmo quando jovem. Mas, neste momento, elas parecem potencializar a percepção de que ele é velho demais para o cargo.
Além da questão etária, o presidente tem sido muito criticado por parte dos democratas pelo apoio incondicional a Israel no conflito em Gaza, num momento em que cresce em quase todo o mundo o sentimento contra a campanha militar israelense. Têm ocorrido iniciativas, principalmente entre eleitores jovens ou de origem árabe, para boicotar Biden nas prévias. O resultado ainda não foi significativo, mas há riscos.
Já Trump ganhou todas as prévias republicanas até agora, menos a desse domingo, em Washington DC, onde Nikki Haley obteve sua primeira vitória. Mas Washington tem um eleitorado mais moderado que a média nacional, e Haley tem poucas chances de ganhar qualquer Estado neste Superterça.
Ainda assim, o ex-presidente também tem sido questionado por uma parcela substancial do eleitorado republicano. Segundo pesquisa da agência de notícias Associated Press, 20% dos eleitores republicanos em Iowa, um terço em New Hampshire e um quarto na Carolina do Sul dizem que não votarão em Trump em novembro.
Essa rejeição aparece também nos resultados de algumas prévias. Haley obteve 26,6% dos votos em Michigan, 39,5% na Carolina do Sul e 43,3% em New Hampshire. Esses eleitores republicanos se deram ao trabalho de votar em Haley mesmo sabendo que ela não tem chance de vitória. Ou seja, são eleitores que rejeitam Trump e que quiseram deixar isso claro. Esses três Estados estão entre os que devem definir a eleição presidencial.
A campanha de Trump tem sido atormentada pela insistência de Haley em manter a sua candidatura, pelo menos até esta Superterça. Haley presta um enorme desserviço a Trump ao catalisar o voto de republicanos insatisfeitos com o ex-presidente. Possivelmente de olho nas eleições de 2028, ela já disse que não quer ser candidata a vice de Trump e, nesse fim de semana, se negou até a declarar se o apoiará nas eleições de novembro.
Mesmo sem sofrer o mesmo estigma de Biden, Trump, de 77 anos, também enfrenta alguma rejeição por conta de sua idade. Na mesma pesquisa do NYT, 42% dos eleitores republicanos concordaram plenamente ou parcialmente que ele é velho demais para ser um presidente eficaz.
E Trump enfrentará nos próximos meses uma série de julgamentos em processos criminais que ameaçam afastar mais eleitores.
Apesar da pequena dianteira de Trump nas pesquisas atualmente, a expectativa é que a eleição presidencial será apertada. Um punhado de votos a mais ou a menos em uma dezena de Estados poderá decidir o resultado.
Assim, os dois virtuais candidatos à Presidência dos EUA vão de fato nesta Superterça buscar avaliar qual é o nível de rejeição a cada um deles, quantos eleitores podem perder em novembro, mais do que celebrar a vitória que ambos já têm assegurada nas prévias.
Fonte: Valor Econômico

