Em seu pronunciamento de 13 minutos na abertura da sua primeira reunião ministerial ampla deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou olhando a maior parte do tempo para as câmeras, e não para os ministros que o circundavam. A própria postura corporal indicava um dos propósitos da sua fala, que ia muito além de um balanço administrativo ou de cobrança de providências a seus auxiliares. Lula fez um discurso para o público externo, e externo inclusive à sua base de apoio nos movimentos sociais e na esquerda. Com certeza o discurso seria outro se não fosse a queda de popularidade do governo, registrada nas últimas semanas por todas as pesquisas de opinião.
O presidente procurou administrar expectativas para justificar a falta de resultados nos primeiros 15 meses de governo. E exerceu uma humildade raramente vista em seus pronunciamentos, um sinal de que realmente está preocupado com as pesquisas.
“Temos compromisso em fazer as coisas bem feitas, no tempo certo. Ainda tem muito pra fazer em todas as áreas”, disse o presidente, em um tom que se aproximava da autocrítica. “Isso que fizemos é apenas o início, mas isto não basta, vamos ter que fazer muito mais.”
É um tom muito diferente das falas de autoexaltação que marcam o presidente, cujo bordão “nunca na história desse país” entrou para o folclore, depois de usado incontáveis vezes por Lula para se referir ao próprio governo e à própria trajetória.
“Hoje temos certeza de que este país correu sério risco de ter um golpe. E o golpe não aconteceu não só porque algumas pessoas das Forças Armadas que lá estavam não quiseram fazer, mas porque o presidente era um covardão”, afirmou.
Segundo Lula, “ele não teve coragem de executar aquilo que planejou. Preferiu fugir para os Estados Unidos em vez de fazer o que tinha prometido, na expectativa de que um golpe poderia acontecer na sua ausência”.
Atribuir a suposta desistência de um presidente a golpear as instituições por uma presumível ausência de coragem é um pouco arriscado. Ao tentar incriminar o antecessor, Lula constrói um discurso que o absolve. Ser covarde é uma deficiência moral, mas não é um crime. Se Lula construísse o ataque a Bolsonaro de outra forma, poderia dizer que a tentativa de golpe aconteceu, no dia 8 de janeiro, mas falhou porque as instituições se provaram fortes.
O presidente procurou fazer o alerta que não é hora de o eleitor baixar a guarda. “A única possibilidade de a gente reconstruir este país é consolidar o processo democrático”, afirmou. Tocou dessa forma, ou procurou tocar em uma emoção do eleitor, que é a do medo. O medo de um mal maior tende a levar a pessoa influenciada por esta emoção a baixar o padrão de exigência em relação ao que consideraria ideal.
No fim de seu discurso, Lula vira-se para um de seus principais flancos, que é a rejeição do segmento evangélico ao seu governo e à sua pessoa. Diz que busca “um país em que a religião não seja instrumentalizada por um partido ou governo, em que a fé seja exercida na mais plena liberdade”. Disse que não aceita que a religião “seja manipulada de forma vil e baixa”. O presidente, em outras palavras, afirmou que o que tem a oferecer é a estrita separação entre igreja e Estado, dentro do espírito da Constituição de 1988. Não pareceu disposto a fazer concessões.
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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião ministerial — Foto: Ricardo Stuckert/PR
Fonte: Valor Econômico

