Há uma lógica no pedido de proteção judicial da Avon Products que pode funcionar para a Natura, se a estratégia jurídica der certo. Mas é péssima para os consumidores que acionaram a empresa americana na Justiça, nos últimos anos, pelo suposto uso de insumos contaminados na produção de talcos.
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A decisão da Avon de acionar o capítulo 11 da Lei de Falências nos EUA, equivalente à recuperação judicial, pode levar a empresa brasileira — controladora da Avon Products — a se livrar de alguns problemas. E ainda sair desse enrosco com os ativos que lhe interessa da companhia.
Com o pedido de proteção judicial, a Avon barra a entrada de novas ações judiciais envolvendo talcos contaminados, que levariam a um aumento ainda maior de passivos a pagar a consumidores.
Isso já era uma bola de neve maior do que o mercado supunha, algo confirmado com o pedido de recuperação. A Avon detém US$ 1,29 bilhão em dívidas, sendo US$ 530 milhões com a Natura, por conta de pagamentos de custas de processos e advogados da fabricante.
Em 2022, a empresa americana foi multada em US$ 46 milhões após uma consumidora afirmar que produtos da empresa à base de talco teriam insumos que teriam contribuído para que ela desenvolvesse câncer. Outros processos foram aparecendo nos últimos anos.
Ao mesmo tempo, como a Natura acabou se tornando a maior credora da sua própria subsidiária (por esses pagamentos de custas judiciais e outros empréstimos), quando ocorrer o leilão dos ativos da Avon Products, a Natura deve fazer uma oferta à sua ex-subsidiária. E lhe interessa especialmente a parte da operação com Europa e Ásia, que ainda pode dar resultado.
O curioso é que isso pode ocorrer, porque, pela lei americana, ao se dar entrada no pedido de proteção judicial, a companhia deixa de ser a dona do negócio em recuperação. Os novos donos passam a ser os credores da dívida.
E a Natura está nas duas pontas, como credora e controladora (agora, ex-controladora).
Com a operação, ficam na Avon Products os passivos que eram um “problemão” cada vez maior. Trata-se da “casca” da Avon, que ficou dentro do braço nos EUA, hoje coberto pelo Chapter 11.
“Com a recuperação judicial eles ‘matam’ a entrada de novos processos do talco e podem trazer os ativos de Europa, Ásia, e inclusive Rússia, para dentro da Natura. Fazem a cisão que tanto queriam do braço internacional e podem ficar com o que queriam manter”, diz um gestor.
Outro gestor diz que, antes do Chapter 11, a ideia de uma cisão da parte internacional ainda apresentava um risco, que agora não existe. “Não havia segurança de que, mesmo com uma cisão antes, eles não teriam que lidar ainda com os passivos do talco. Agora, isso pode mudar”, diz ele
A Natura já informou hoje que fará uma oferta de US$ 125 milhões pelos ativos estrangeiros da Avon — sem detalhar a operação — por meio do leilão na Justiça. E é pouquíssimo provável que mais empresas apareçam para entrar nesse imbróglio. A Natura já ofereceu esses ativos no mercado no passado, sem sucesso.
Ainda colocará US$ 43 milhões em empréstimos novos para manter a Avon de pé nesta fase de recuperação, a serem abatidos dos US$ 125 milhões.
Para essa oferta pelos ativos, a Natura pretende usar parte de seus créditos existentes contra a Avon Products, mas sem por mais dinheiro novo, depois da quantidade razoável já aportada nos últimos anos.
No fim do dia, a percepção que ficou no mercado hoje é que quem pagará parte dessa conta são consumidores que se sentiram lesionados pelo uso de produtos da fabricante americana supostamente contaminados e que foram dragados para o processo judicial. E, eventualmente, outros clientes que possam aparecer e que teriam que acionar uma empresa em plena renegociação de passivos no mercado.
Credores que a Avon possa ter dentro dessa dívida total também acabariam levando um “cut” num acordo de recuperação judicial, mas a análise inicial é que não há valores relevantes, além das dívidas judiciais.
Essa questão envolvendo o talco gerou um desgaste para a marca estrangeira, com acusações de uso de amianto no produto, num período de forte pressão de consumidores em relação às práticas de sustentabilidade e de governança nas companhias.
Os produtos de talco da Avon Products com suposta contaminação deixaram de ser comercializados e produzidos globalmente em 2016, depois que a companhia decidiu parar a fabricação após as acusações.
Os processos envolvendo os produtos contaminados referem-se a talcos produzidos antes da venda do controle da Avon International para a Natura. Apenas em 2020, a “Bloomberg” relatou 130 ações na Justiça americana.
Há um ponto em toda essa engenharia que pode enrolar a situação da Natura.
É preciso que a Justiça americana dê aval ao pedido de proteção judicial da Avon Products, e não há muita certeza de como isso será visto.
Em 2023, a Johnson & Johnson alegou dificuldades financeiras para liquidar ações judiciais também envolvendo talco com insumos contaminados e queria criar uma empresa separada para concentrar os passivos, mas a Justiça não autorizou o pedido.
A fabricante estava disposta a pagar cerca de US$ 6,5 bilhões (R$ 33 bilhões) para encerrar o caso, mas isso não convenceu os juízes.
Na Natura, já há o braço da Avon Products lá fora e não seria criada uma companhia à parte, mas não se sabe como a questão de cindir dívidas vai ser interpretada pela Justiça.
A ação fechou em queda de 8,85% na terça-feira, a maior entre as empresas do Ibovespa.
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