O fracasso da Ucrânia, nos últimos seis meses, em retomar território ocupado pelas forças russas colocou o país numa posição difícil na guerra com a Rússia. O equilíbrio do conflito agora parece favorecer Moscou, que tem o tempo a seu favor.
O tempo, nesse caso, diz respeito tanto a capacidade de manter o conflito como ao clima. As temperaturas mínimas na Ucrânia já estão abaixo de zero, e Kiev ficou coberta de neve na semana passada. O frio dificulta ainda mais as operações militares.
Em junho deste ano, na primavera europeia, a Ucrânia iniciou uma ampla ofensiva militar para tentar recuperar parte do seu território ocupado após a invasão russa, em fevereiro de 2022. Seis meses depois, porém, o resultado é considerado desanimador. Os ucranianos conseguiram realizar ataques importantes por trás das linhas inimigas, como em Sebastopol (na Crimeia), mas avançaram apenas uns poucos quilômetros no sul do país. O principal sucesso foi estabelecer uma cabeça de ponte na margem leste do rio Dnieper, mas a posição ainda é precária. No leste da Ucrânia, as forças russas resistiram e até retomaram os ataques.
Essa ofensiva ucraniana teve um elevado custo, tanto em termos financeiros como em soldados mortos e feridos e perda de equipamento militar. Nem a Ucrânia nem a Rússia divulgam dados oficiais de baixas militares na guerra.
Formalmente, tanto os EUA como os principais países europeus continuam comprometidos com fornecer mais ajuda financeira e militar à Ucrânia. Mas o fracasso da ofensiva ucraniana parece estar gerando dúvidas. Nos EUA, o mais recente acordo temporário sobre orçamento federal, aprovado pelo Congresso, excluiu novos pacotes de ajuda à Ucrânia. Donald Trump, favorito para ser o candidato republicano à Presidência dos EUA no ano que vem, e muitos outros políticos do partido têm falado abertamente em suspender a ajuda a Kiev.
Com a Alemanha provavelmente em recessão (o PIB recuou no terceiro trimestre e a expectativa é de nova queda neste fim de ano) e a Europa crescendo pouco, a ajuda à Ucrânia se torna politicamente mais difícil. Nos EUA, Biden precisará de toda margem possível de orçamento para tentar uma campanha pela reeleição que se preanuncia muito dura no ano que vem.
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Soldados ucranianos navegam pelo rio Dnipro, próximo a Kherson — Foto: Alex Babenko/AP
O popular jornal alemão “Bild” afirmou no dia 24 de novembro que EUA e Alemanha estão pressionando a Ucrânia a aceitar ceder território à Rússia em troca de um acordo de paz. O jornal cita “fadiga de guerra” e dificuldade de manter o apoio do Ocidente a Kiev. Os dois países, disse o tabloide citando uma fonte não identificada, teriam concordado em limitar o fornecimento de armas à Ucrânia para forçar o país a negociar com a Rússia. O objetivo ocidental seria apenas o de colocar a Ucrânia numa “posição de negociação estrategicamente boa”.
“Zelensly precisa entender que as coisas não podem continuar como estão”, teria dito ao jornal uma fonte do governo alemão. Não há confirmação independente das informações trazidas pelo “Bild”.
A Ucrânia lamenta não ter recebido do Ocidente toda a ajuda necessária para a ofensiva militar, especialmente aviões para apoio aéreo. Mas segue se dizendo disposta a lutar para expulsar as forças russas de seu território. Qualquer negociação de paz com Moscou está proibida por lei.
Na semana passada, porém, o premiê da Eslováquia (membro da Otan e da União Europeia), Robert Fico, disse que a guerra pode durar até 2030 se uma negociação de paz não for iniciada. “Esse conflito está congelado. Pode durar até 2029 ou 2030”, afirmou. Segundo ele, é melhor que haja dez anos de negociação com uma trégua do que adiar a negociação por dez anos e causar mais centenas de milhares de mortes.
Para muitos analistas, uma Ucrânia menor, porém integrada ao Ocidente, como membro da Otan (a aliança militar ocidental) e da União Europeia, já seria uma derrota para Moscou. Outros, porém, acreditam que qualquer acordo agora apenas adiaria o conflito e que somente uma derrota inequívoca da Rússia pode encerrar suas ambições territoriais. Segundo o Belfer Center, da Universidade Harvard, a Rússia controla hoje cerca de 17,5% do território da Ucrânia, além da Crimeia, ocupada em 2014.
Não está claro se a Rússia aceitaria negociar nesses termos, isto é, obtendo território, mas trazendo mais a Otan para a sua fronteira. Segundo um negociador ucraniano, citado no domingo (26) por um jornal local, a Rússia propôs em 2022 um acordo de paz, desde que a Ucrânia ficasse fora da Otan. A oferta foi recusada.
Também é incerto se Putin aceitaria iniciar negociações antes das eleições presidenciais no país, previstas para março. O principal líder opositor russo, Alexei Navalny, está preso, e Putin deve ser reeleito com facilidade, já no primeiro turno. Ainda assim, uma negociação poderia ser vista como um sinal de fraqueza.
Durante a recente cúpula virtual dos Brics, Putin culpou a Ucrânia pela falta de avanços em negociações de paz e disse que a guerra é uma “tragédia”. Referiu-se ao conflito como uma guerra, e não com o eufemismo “operação militar especial”, usado pelo governo russo.
Para Institute for the Study of War (ISW), um centro de estudos americano, o presidente russo costuma “retratar falsamente” a Ucrânia como a parte que se opõe a negociações, como uma forma de pressionar o Ocidente a forçar o governo ucraniano a negociar.
O ataque com drones desse fim de semana a Kiev, o maior desde o início da guerra, também parece ser uma tentativa de Moscou de forçar a Ucrânia a negociar.
Moscou tem também o tempo a seu favor. A Rússia parece ter condições de manter a guerra por um longo período ainda, por dispor de mais soldados, pela falta de oposição interna e pelo apoio econômico dado pela China. Putin pode esperar uma eventual vitória de Trump, com quem tem uma boa relação, que teria potencial de gerar uma crise na Otan.
Com ou sem negociação, o cenário do conflito neste fim de ano, tanto militar como político, parece mais favorável à Rússia. A crise no Oriente Médio também contribui para isso, ao tirar o foco da guerra na Ucrânia e ao colocar o Ocidente sob pressão em dois conflitos simultâneos.
Fonte: Valor Econômico

