Por Alex Ribeiro, Valor — São Paulo
02/10/2023 13h09 Atualizado há 20 horas
O Banco Central está examinando em que medida a alta nos rendimentos dos títulos do Tesouro americano, os chamados Treasuries, impõe uma espécie de piso para o ciclo de baixa de juros feito no Brasil.
Hoje, os Treasuries de dez anos voltaram a subir, para a casa dos 4,64% ao ano, e uma parte dos analistas econômicos acredita que poderá superar os 5% ao ano, depois que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fez em sua reunião de setembro a sinalização de juros mais altos por mais tempo.
Em tese, a diferença entre os juros brasileiros e americanos não deveria ser um piso, porque, com o regime de metas de inflação, a taxa Selic é calibrada com vistas ao equilíbrio interno da economia – ou seja, de acordo com nossa inflação e atividade. A diferença de juros teria uma relação direta e mecânica com a nossa taxa básica de juros apenas se tivéssemos um regime de câmbio fixo, como ocorreu nos primeiros anos após o real.
Mas o juro internacional não deixa de ter um efeito indireto importante na taxa Selic praticada no Brasil, porque afeta a nossa taxa de câmbio. Se a diferença cai, fica mais atrativo para os investidores tirarem dinheiro do Brasil para colocar nos Estados Unidos. Nessas circunstâncias, o real se desvaloriza ante o dólar, pressionando a inflação. A Selic, no fim das contas, deve ser calibrada levando em conta essa inflação mais alta.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi confrontado diretamente sobre o tema na semana passada, na entrevista coletiva do Relatório de Inflação. Nesta segunda-feira(2), voltou a falar sobre o assunto. O argumento dele é que não importa apenas a diferença entre o juro interno e externo, mas também o prêmio de risco dentro do Brasil e nos Estados Unidos.
“A pergunta é se o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos impõe algum tipo de piso ao tamanho do movimento que poderia ser feito na Selic”, afirmou. “Mas a relação que é importante é o retorno e o risco.”
Dentro do Brasil, argumentou, a política fiscal será muito importante para determinar o prêmio de risco. Se os planos fiscais do governo, que incluem a meta de zerar o déficit primário em 2024, forem aprovados no Congresso e bem executados, o risco ficaria sob controle. Essa queda do risco, em tese, poderia compensar a queda da diferença de juro entre os Estados Unidos e Brasil, mantendo a atratividade de nossa economia para o investidor estrangeiro.
Mas uma piora do rico fiscal teria o efeito inverso. Esse foi um dos temas discutidos em reunião com o presidente Lula na semana passada, no Palácio do Planalto, por Campos Neto e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Campos Neto vem citando também, nos últimos dias, o provável aumento do prêmio de risco nos Estados Unidos, com a piora do risco fiscal. Esse foi um dos temas debatidos de forma mais exaustiva na mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, há duas semanas.
O Congressional Budget Office (CBO), instituição de assessoramento do parlamento americano, divulgou projeções que mostram a possibilidade de déficits primários superiores a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) por muitos anos. Hoje, Campos Neto chamou a atenção para a possibilidade de os Estados Unidos terem um encargo com juros da dívida similar ao do Brasil, devido ao alto endividamento e aumento das taxas para rolar a dívida.
A questão é o quanto a alta recente dos juros dos Tresuries reflete a situação fiscal dos Estados Unidos e, por tabela, representa na verdade um prêmio de risco.
O Copom discutiu também outros fatores, como um possível nível de juros neutro mais elevado, que levaria a uma taxa mais alta de forma mais duradoura. Outra possibilidade aventada foi uma sobrecarga nas captações do Tesouro, que foram adiadas devido à discussão sobre o teto da dívida nos Estados Unidos.
Como essa discussão afeta a política monetária? Por ora, não muda o orçamento de cortes da Selic porque, na verdade, o Banco Central não tem nada sinalizado. O mercado prevê que o juro caia a 9% ao ano em 2024, mas as projeções do Copom sugerem que esse percentual não é possível, senão a inflação supera a meta de 3% definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Campos Neto tem afirmado que, diante de um cenário tão incerto, não vale a pena sinalizar um percentual para o final do ciclo. A pressão mais recente dos juros americanos adiciona mais incerteza, por isso Campos Neto disse na semana passada que os requisitos para acelerar mais o corte em relação ao ritmo de 0,5 ponto sinalizado ficaram ainda mais altos.
“A gente precisa ir com cuidado aqui no Banco Central”, disse hoje Campos Neto, em evento da Associação Brasileira de Câmbio (Abracam).
Fonte: Valor Econômico

