A confirmação de que Israel usou explosivos implantados em pagers, walkie-talkies e outros aparelhos eletrônicos para um ataque sem precedentes ao grupo Hezbollah vai causar ondas de choque nas empresas e nos serviços de inteligência pelo mundo. Afinal, se pequenos dispositivos eletrônicos tiveram a sua segurança comprometida, o que mais pode estar comprometido?
Na terça-feira (17), um número incerto de pagers, possivelmente na casa de milhares, explodiu simultaneamente no Líbano e na Síria, deixando ao menos 12 mortos e quase 3.000 feridos, muitos em estado grave.
Nesta quarta-feira (18), o Líbano foi sacudido por uma segunda onda de explosões, desta vez envolvendo walkie-talkies usados pelos membros do Hezbollah e outros equipamentos eletrônicos, até como placas solares fotovoltaicas instalados nos telhados, de acordo com a agência de notícias oficial libanesa. Segundo o Ministério de Saúde Libanês, são mais 9 mortos e pelo menos 300 feridos.
Os pagers foram adquiridos para serem usados pelo grupo xiita Hezbollah, que controla parte do Líbano e que é apoiado pelo Irã. O grupo usa os pagers para se comunicar pois eles não são rastreáveis e interceptáveis como o telefone celular.
Os pagers levam a marca de uma empresa de Taiwan, chamada Golden Apollo, que afirmou, porém, que o lote em questão foi fabricado por uma empresa na Hungria, chamada BAC. Criada em 2022, essa empresa parece ser de fachada. Não está claro ainda quem está por trás dela.
Segundo fontes americanas, a explosão dos pagers foi uma operação conjunta do Mossad, o serviço secreto israelense, com as forças armadas de Israel.
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Explosões simultâneas de milhares de pagers abalam o Líbano — Foto: Bassam Masri/AP
Não está claro ainda como os israelenses conseguiram infiltrar o dispositivo explosivo no pager. Pode ter sido montada uma operação para produzir deliberadamente os pagers já com o dispositivo ou então a empresa que os montou pode ter incluído inadvertidamente alguma peça que conteria o explosivo. Especialistas dizem que apenas 3 gramas de explosivo bastariam para causar a explosão.
Isso levanta enormes dúvidas sobre toda a cadeia global de produção. Que aparelhos podem ter a sua segurança comprometida? O Hezbollah não conseguiu detectar o explosivo por descuido ou realmente era muito difícil de ser detectado? Além de explosivos, de que outras formas a segurança de aparelhos ou produtos pode ser comprometida durante a produção?
Muitos dos aparelhos que usamos hoje são montados a partir de uma cadeia de suprimento global, isto é, os fabricantes das peças podem estar distribuídos por diferentes regiões do planeta. Muitas dessas peças, por sua vez, são montadas a partir de outra cadeia de suprimentos, que também pode ser globalizada. Isso significa que é muito difícil (e caro) ter controle total sobre os componentes que são usados numa cadeia de produção.
Neste ano, por exemplo, foi divulgado pelo jornal “The New York Times” que tanto a Boeing como a Airbus compraram peças para seus aviões de uma indústria americana que usava titânio fabricado na China. Só que a empresa chinesa produtora do titânio falsificava os documentos relativos ao produto. Se é difícil controlar a qualidade e a segurança de toda a cadeia de um produto crítico como aviões, ficou evidente agora o que pode estar acontecendo com produtos mais simples, como pagers.
Outra questão importante é se os pagers com explosivos poderiam ser detectados pelos sistemas de segurança nos aeroportos. O que teria acontecido se o usuário de um desses pagers estivesse num avião? Talvez o pager estivesse desligado e não teria sido acionado remotamente. Mas seria possível instalar a mesma pequena quantidade de explosivo num celular ou computador e passar pelo controle nos aeroportos? Nesse caso, o dispositivo poderia receber remotamente, pela internet (hoje à disposição em muitos voos), a instrução para explodir. O ataque dos pagers pode levar a uma nova onda de segurança em aeroportos e aviões, como consequências ainda incertas.
As detonações de eletrônicos cotidianos podem ser o prenúncio de um novo tipo de terrorismo, de acordo com Mitsuru Fukuda, professor de gerenciamento de risco na Universidade Nihon. “Isso pode aumentar a pressão sobre as empresas para expandir a supervisão de risco de suas cadeias de suprimentos” para incluir distribuição e entrega, disse Fukuda à agência Bloomberg.
Assim, é muito provável que o grande ataque dos pagers gere uma onda global de preocupação das empresas com a segurança de seus produtos. Isso exigirá, possivelmente, investimentos importantes e poderá levar até mesmo à realocação de produção para fornecedores mais seguros e países mais confiáveis e amigáveis. Tudo isso pode chacoalhar novamente as cadeias de produção globais e terá custos.
O ataque israelense levanta ainda outras indagações. Por que Israel resolveu atacar agora e expor essa infiltração na segurança do Hezbollah? Sem dúvida há a questão do conflito entre na fronteira com o Líbano entre Israel e o Hezbollah. A explosão dos pagers deve dificultar toda a operação militar do grupo xiita. Mas o ataque ocorreu um dias depois de outro grupo apoiado pelo Irã, os houthis, do Iêmen, ter disparado e atingido Israel com um míssil hipersônico. Foi a primeira vez que esse tipo de míssil foi usado contra Israel e ele se mostrou capaz de furar a defesa antimísseis israelense, o chamado Domo de Ferro.
O ataque dos pagers pode muito bem ter sido uma resposta de Israel ao míssil hipersônico iraniano. Os iranianos mostraram que têm cartas na manga e Israel respondeu mostrando que também tem as suas cartas escondidas. Nesse caso fica a indagação: que outras cartas os dois lados têm que ainda não foram usadas e em que medida essas ameaças podem ter utilizado empresas estrangeiras e cadeias globais de produção, como foi o caso dos pagers?
Fonte: Valor Econômico

