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O crescimento da produtividade do mercado de trabalho dos EUA deve permitir que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) comece a cortar os juros em breve. A avaliação é do economista-chefe global da consultoria Deloitte, Ira Kalish. Em entrevista exclusiva ao Valor, durante rápida passagem pelo Brasil, Kalish disse que a produtividade cresceu rapidamente em três dos últimos quatro trimestres, o que contribui para reduzir a inflação.
O economista também vê o cenário mundial de forma positiva com queda da inflação nas principais economias, mas alerta sobre o perigo das tensões geopolíticas. Veja abaixo os principais pontos da entrevista:
Produtividade americana
A produtividade cresceu 4,6% no terceiro trimestre de 2023, 3,5% no quarto trimestre, ficou praticamente estável no primeiro trimestre de 2024 com alta de 0,4% e alta de 2,3% no trimestre encerrado em junho, segundo dados do Departamento de Trabalho.
“O Fed está preocupado com o aumento dos salários como fonte inflacionária, mas se a produtividade está aumentando, as empresas podem elevar os salários de seus empregados sem repassar esta elevação de custo para os preços de seus produtos e serviços, e isso é benéfico para inflação”, disse ele.
Kalish projeta uma queda da inflação para abaixo da meta de 2% para o ano que vem. Segundo ele, o que pressiona a inflação atualmente é a inflação de serviços. “O setor de serviços é de trabalho intensivo e os preços estão subindo por conta do mercado de trabalho ainda apertado. Mas se o mercado de trabalho desacelerar um pouco como está dando sinais e a produtividade continuar a aumentar, a inflação de serviços cairá e o Fed ficará confortável em cortar os juros”.
Outro sinal de que o Fed deve começar a cortar os juros em breve, cada vez mais provável que seja em setembro, é a migração do foco do banco central da inflação para o mercado de trabalho. “Quando a inflação estava elevada, o Fed deixou claro que estava focado na inflação, principalmente porque o mercado de trabalho estava aquecido. Agora que o mercado de trabalho está mais fraco, eles estão indicando que olham para seus dois mandatos, estabilidade de preços e pleno emprego, o que sinaliza que eles devem começar a cortar os juros em breve.”
Recessão
O tamanho do primeiro corte esperado pelos investidores para setembro tem variado à medida que novos dados econômicos são divulgados. Para Kalish, o mais importante da próxima reunião do Fed de setembro não é o tamanho do corte, de 0,25 ponto percentual ou 0,50 ponto, mas a linguagem que usará após o encontro para sinalizar o caminho a seguir. O economista acredita que a atividade econômica global vai bem, sem sinais de recessão nem nos EUA nem na Europa, mas o Fed tem que ter cuidado com a linguagem que usará para não criar um sentimento negativo nos investidores que, com suas ações, poderão criar uma recessão.
“A economia global está em boa forma, com crescimento bom nos EUA, recuperação do crescimento na Europa, estabilização em níveis modestos na China, a inflação está diminuindo”, disse. Kalish não vê sinais de recessão nem nos EUA nem na Europa. “O que aconteceu foi que o relatório de empregos de julho foi pior que o esperado, mas ele não veio ruim. Ele ficou mais lento do que o registrado no último ano, mas ainda saudável. E foi surpreendente o impacto que ele causou no mercado [com bolsas, dólar e rendimento dos Treasuries recuando de forma expressiva] já que é um índice que olha para o passado”, avalia o economista. Segundo ele, os índices de gerentes de compras (PMIs) – que medem a força da atividade – mostram uma economia que segue resiliente. “Os gastos dos consumidores seguem em boa forma. Eles podem enfraquecer, mas não ao ponto de provocar uma recessão. Muitas pessoas apontam o aumento da dívida e da inadimplência de cartões de crédito como motivo de preocupação, mas, mesmo com a alta, eles ainda estão abaixo dos níveis registrados antes da pandemia”.
Para o economista, o corte esperado nos juros pelo Fed vai ter um impacto positivo na economia principalmente ao liberar investimentos que estão represados por conta das taxas elevadas. “Muitas empresas de private equity possuem muitos recursos prontos para investir em novos negócios e só estão aguardando a queda nas taxas, assim como operações de fusões e aquisições deverão ser impulsionadas”, afirmou.
Tensões geopolíticas
Embora Kalish veja o cenário econômico mundial de forma positiva, ele avalia que existem grandes riscos vindos de tensões geopolíticas: tensão entre China e Ocidente, guerra entre Ucrânia e Rússia, a situação do Oriente Médio. Porém, o maior de todos os riscos é a tensão entre China e o Ocidente porque uma crise maior poderá ter um impacto econômico global expressivo. “Se a relação entre eles se desestabilizar, em virtude de uma ação de qualquer um dos lados, isso poderia levar a uma quebra das cadeias de abastecimento, forçar empresas globais a acelerarem sua saída da China. E isso seria negativo para economia e teria custos elevados”, afirmou.
Europa
Kalish também avalia que, no curto prazo, houve uma mudança de expectativas sobre o caminho da política monetária entre EUA e Europa. Há um ano se esperava que os juros americanos ficariam mais elevados que a Europa por um longo tempo, o que impulsionou o dólar. “Com os choques provocados pelo payroll, agora o sentimento é de que o Fed cortará mais rapidamente que o BCE”. Além disso, ele ressalta que a zona do euro pode encontrar obstáculos na recuperação do crescimento porque não teve a iniciativa dos EUA e da China em apostar em inovação e novas tecnologias. Segundo ele, existem discussões na Europa sobre como eles vão enfrentar esse problema em um momento em que a Alemanha observa uma queda na produção industrial. “A Guerra da Ucrânia elevou os preços de energia e reduziu a competitividade de alguns setores, especialmente a indústria pesada, como química e siderurgia e automóveis, bases da indústria alemã, que costumava ser muito competitiva globalmente porque tinha acesso à energia barata da Rússia. E agora perdeu sua competitividade. Os investimentos estão, agora, indo para EUA e China e não para Alemanha, que também está sofrendo com a desaceleração econômica de seu principal comprador, a China”, avaliou o economista.
Fonte: Valor Econômico

