A cooperação militar da Rússia com Irã, Coreia do Norte e China se expandiu para o compartilhamento de tecnologias sensíveis que podem ameaçar os EUA e seus aliados após a guerra na Ucrânia terminar, segundo autoridades das áreas de defesa e inteligência dos EUA.
A rapidez com que os laços de segurança entre os rivais dos EUA se expandem, e sua profundidade, tem surpreendido analistas de inteligência americana em alguns momentos. Eles disseram que a Rússia e os outros países deixaram de lado rivalidades históricas para se contrapor de forma conjunta ao que consideram um sistema mundial dominado pelos EUA.
As relações militares começaram a se estreitar depois da invasão da Ucrânia iniciada pelo presidente russo, Vladimir Putin, em fevereiro de 2022. Com os primeiros reveses no campo de batalha e as sanções ocidentais, a Rússia passou a procurar desesperadamente por novas fontes de armamentos.
Mas os acertos se transformaram aos poucos em acordos de produção conjunta, transferências de tecnologia e fornecimento de trabalhadores que, segundo autoridades, estão melhorando as capacidades de longo prazo de Moscou e, possivelmente, as de Teerã, Pyongyang e Pequim.
Durante muitas décadas, a ex-União Soviética exportou o equivalente a bilhões de dólares em armas para o mundo em desenvolvimento. Hoje, a relação se inverteu em parte, enquanto Moscou revira o planeta em busca de armas para sustentar sua guerra na Ucrânia, que está em seu 28º mês.
“A guerra da Rússia na Ucrânia tem apoio de China, Coreia do Norte e Irã”, disse o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, na terça-feira, em uma entrevista conjunta com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. “Eles querem ver os EUA fracassarem. Querem ver a Otan fracassar. Se tiverem êxito na Ucrânia, isso nos tornará mais vulneráveis e o mundo, mais perigoso.”
O Irã ajudou a construir uma fábrica de drones armados letais na região do Tartaristão, na Rússia, que autoridades americanas acreditam já estar operacional e é capaz de produzir anualmente milhares de drones Shahed-136. Autoridades dos EUA preveem que ela se expandirá para fabricar outros tipos de drones.
“Isso é algo que a Rússia terá depois da guerra”, disse uma autoridade da área de defesa dos EUA. Na sua avaliação, o que começou como um relacionamento transacional hoje é uma “transferência de conhecimento”.
Do seu lado, segundo essa autoridade, o Irã pode observar como seus drones se saem em condições de guerra, já que a Rússia tem lançado dezenas e dezenas deles na Ucrânia. O perigo, acrescentou, é “que todas essas lições voltem para o Oriente Médio”.
A China e a Rússia também trabalham juntas para produzir drones não letais dentro da Rússia, de acordo com uma alta autoridade do governo do presidente dos EUA, Joe Biden.
“Eles acreditam que podem negar que isso aconteça, porque parece que eles apenas compartilham tecnologia e produção sobre o que são veículos aéreos não tripulados disponíveis comercialmente em todo o mundo”, disse uma segunda autoridade da área de defesa.
Os laços cada vez mais amplos da Rússia com adversários de Washington ficaram muito evidentes esta semana, durante a visita de dois dias de Putin à Coreia do Norte, onde se encontrou com seu líder, Kim Jong-un. Autoridades dos EUA e da Coreia do Sul afirmam que a Rússia poderia oferecer tecnologia espacial e outros sistemas avançados a Pyongyang em troca de munição de artilharia e mísseis balísticos de curto alcance que, segundo elas, a Coreia do Norte já fornece para a guerra da Rússia na Ucrânia.
A Rússia retribui com o fornecimento de derivados de petróleo para a Coreia do Norte, de acordo com autoridades dos EUA. O temor é que o apoio de Moscou se estenda para o campo militar.
Autoridades e ex-autoridades americanas disseram que os laços de segurança ampliados da Rússia com Coreia do Norte, Irã e China não equivalem, até o momento, a uma aliança militar formal, como é a Otan no Ocidente, e são, basicamente, uma série de trocas bilaterais entre a Rússia e cada um dos outros três países.
“Para a Rússia, a Coreia do Norte e até mesmo a China, isso tudo é um casamento de conveniência, baseado na convergência ou no alinhamento de interesses e objetivos neste momento, e não um caso de amor apaixonado”, afirmou Sue Mi Terry, ex-autoridade da Agência Central de Inteligência (CIA) e da Casa Branca, em um podcast recente patrocinado pelo centro de estudos Center for Strategic and International Studies.
Contudo, os primeiros contornos de um novo eixo já surgiram, com sinais de cooperação estratégica e diplomática mais ampla.
A China tem estado no centro de um esforço para reforçar laços comerciais com países que sofrem sanções dos EUA, como Rússia, Venezuela e Irã, para se proteger de medidas financeiras de Washington, de acordo com autoridades ocidentais e dados alfandegários.
No mês passado, a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Avril Haines, disse aos parlamentares que pela primeira vez a China e a Rússia estão promovendo exercícios militares conjuntos, que parecem se concentrar em Taiwan, a ilha autônoma que Pequim reivindica como seu território.
Em março, a Rússia usou seu poder de veto no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para impedir que a instituição continuasse a monitorar as sanções internacionais contra a Coreia do Norte. Segundo autoridades dos EUA, a medida tinha como objetivo evitar o escrutínio sobre o canal de fornecimento de armas entre Pyongyang e Moscou.
A China já enviou grandes quantidades de equipamentos de uso duplo (que não são destinados a uso militar, mas podem ter aplicações militares), como máquinas-ferramentas, componentes microeletrônicos para a indústria de defesa da Rússia, sistemas ópticos para tanques e veículos blindados e motores turbo para mísseis de cruzeiro, segundo essas autoridades. Elas acrescentaram que a China também tem ajudado a Rússia a melhorar seus satélites e outras capacidades espaciais para uso na Ucrânia.
“Eles são muito cuidadosos, mas estão muito perto de passar do limite”, afirmou uma autoridade da área de defesa. “Eles têm feito tudo o que podem para apoiar os russos sem ter de arcar com as consequências.”
Fonte: Valor Econômico
