14/09/2022 05h02 Atualizado há 10 horas
Não é apenas por cautela que o Banco Central fez questão de sublinhar que os juros permanecerão elevados ainda por um período de tempo prolongado. As duas deflações, observadas em julho e agosto – que provavelmente serão sucedidas por uma terceira em setembro – têm o dedo da intervenção governamental sobre impostos de combustíveis e energia. Retiradas estas medidas basicamente eleitoreiras, a inflação segue quase que do mesmo tamanho, como indicam os dados de agosto do IBGE.
O IPCA de agosto mostrou ligeiro aumento da taxa de difusão da alta de preços, para 65%. Sete dos nove grupos de produtos apontaram elevação, e a responsabilidade pela deflação de 0,36% no mês foi novamente dos menores preços em transportes, que empurraram o índice 0,72 pontos percentuais para baixo. Transportes esteve na companhia solitária de comunicação, que contribuiu com menos 0,06 ponto percentual para o resultado final. Feitas as contas sem combustíveis e energia, o IPCA do mês seria positivo em 0,36%.
A inflação de agosto foi uma das menores do ano, graças à desaceleração dos aumentos de alimentos e bebidas para 0,24%, ante 1,30% em julho. O grupo, mesmo assim, teve variação de 10,1% no ano até agosto e 13,43% em 12 meses. É quase certo que as pressões sobre alimentos arrefecerão, porque os problemas climáticos que afetaram a safra passada foram embora. A previsão é de aumento da produção para a nova safra e a perspectiva é de uma pequena queda das commodities agrícolas (Valor, 12 de setembro). A redução dos preços dos combustíveis – incerta no médio prazo – ajuda a desinflar os preços. Caminham em sentido contrário os aumentos dos insumos, motivados tanto pelo repasse da alta inflação corrente como pelos efeitos da guerra na Ucrânia sobre a oferta de fertilizantes.
Mas a evolução dos preços dos grupos e subgrupos que compõem o IPCA ao longo do ano indicam que toda a carga baixista é exercida pelos combustíveis (-17,67%), mais pela gasolina (-19,30%) do que pelo diesel, que subiu uma enormidade (34,27%). Há a ajuda de outros preços administrados, como os da energia residencial, que se beneficiaram da redução à média do ICMS cobrado nos Estados, por iniciativa da União com apoio do Congresso.
Fica claro que os núcleos de inflação, vários excluindo energia e alimentos do cálculo, seguem altos, em boa medida porque a inflação de serviços, com a volta à normalidade, também está subindo. Para esfriar um pouco os aumentos, conta-se com a política monetária apertada, cujos efeitos só agora começaram a ser sentidos com mais intensidade. Dada a defasagem, as atividades refletem ainda a ação de juros módicos, de 5,25%, vigentes um ano atrás, em setembro de 2021.
O BC está na difícil posição de agir diante de forças conflitantes e alto grau de incerteza. A desaceleração da economia global avança, especialmente na Europa, com contribuição determinante da China, terá um efeito deflacionário. No entanto, pelo fato de os EUA estarem na frente, entre os desenvolvidos, na elevação dos juros, o dólar teve sua maior valorização em duas décadas. Já o real tem desempenho errático e uma valorização teria mais chances de ocorrer com algum impacto desinflacionário relevante não fosse a política eleitoral-fiscal do governo Bolsonaro. Ela tornou-se expansionista e passou por cima dos diques de contenção de gastos instituídos. Por isso, a demanda reagiu e o PIB pode ficar acima dos 2%, amortecendo efeitos da política monetária.
A manutenção ou não da retirada dos impostos federais sobre combustíveis é um dilema cuja resolução é política. O orçamento da União apresentado a preserva, mas faltará dinheiro para o resto, exceto emendas do relator. Dessa decisão depende um rebote da inflação (estimado em 0,6%), ou não, em 2023 ou 2024.
A bagunça fiscal e o estímulo à demanda postergam e amortecem a queda da inflação, o que exige juros mais elevados por mais tempo. A pesquisa Focus mostra queda do IPCA em 2022 e 2023, mas alta pequena mas constante em 2024 – 3,47%, para uma meta de 3%. A esperada queda dos juros no início de 2023 se deve mais aos diferentes interesses dos investidores que aos sinais do BC. Até há pouco, uma corrente forte no mercado pedia juros mais altos e via incongruência até mesmo na interrupção do aperto monetário enquanto a inflação não desse sinais consistentes de que rumava para as metas. A atitude de espera do BC, que se mantém, tem bons fundamentos.
Fonte: Valor Econômico

