Por Lucinda Pinto — De São Paulo
27/10/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
A batalha contra a inflação ainda não está ganha. Mas o Banco Central agiu corretamente ao confirmar, em seu comunicado, a mensagem de que deve manter o juro inalterado em 13,75% ainda por algum tempo e, enquanto isso, avaliar o efeito que o aumento já realizado pode provocar sobre a economia. Essa é a visão do ex-presidente do Banco Central e atual sócio da Tendências Consultoria Integrada, Gustavo Loyola.
“De fato, a batalha não está vencida, mas o BC deixa espaço para que, se for necessário, ele volte a elevar os juros”, afirma. Para o economista, o Banco Central estará atento tanto ao cenário externo como ao que será anunciado pelo próximo governo em termos de política fiscal. Isso pode, segundo Loyola, “afetar as expectativas, desvalorizar o real e ter um impacto inflacionário que leve a um novo aumento dos juros”.
Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: O comunicado da decisão do Copom trouxe algum sinal sobre o futuro da política monetária?
Gustavo Loyola: Vieram os mesmos sinais da última reunião. O Copom se mostrou preocupado com questões fiscais e com as incertezas no mundo. Aqui no Brasil, ele pontua que a atividade econômica está mostrando sinais de desaceleração. Por outro lado, as expectativas de inflação estão acima do que estavam na reunião anterior. Interessante que dois integrantes do comitê que haviam defendido alta de 0,25 ponto do juro agora votaram na estabilidade. Isso mostra que tem uma chance bastante grande dessa taxa ficar no patamar atual daqui para frente, a não ser que aconteça algo muito inesperado, que afete a expectativa de inflação. Acho também que o Banco Central não quis se comprometer com a trajetória do juro, que pode vir a ser afetada por fatores que estão fora do controle dele.
Volatilidade do dólar no curto prazo tem muito mais a ver com a tensão pré-eleitoral do que com o exterior”
Valor: As projeções de inflação ainda estão acima da meta, e a inflação de serviços segue elevada. Como o sr. vê o risco inflacionário?
Loyola: Eu acho que está cedo para declarar vitória. Mas há dois fatores que devem ser considerados. O primeiro é que os efeitos da política monetária são defasados, demoram um tempo para se manifestar na demanda agregada. Ainda estamos naquela fase em que a economia reage ao aumento de juros que foi feito meses atrás. O Banco Central tem que esperar, depois de levar o juro de 2% para quase 14%, para ver as reações. Uma delas é a queda da atividade. Acho que é um ponto importante. O BC tem que ver os sinais do que está acontecendo com a inflação esperada, com as expectativas e a própria atividade econômica, o hiato do produto. Além disso, o Brasil começou esse processo de alta de juros muito antes dos outros bancos centrais, e colocou a taxa de juro real muito acima do que se vê em outros países. Na maioria deles, a taxa de juros está, em termos reais, no terreno negativo. Não dá para comparar as duas situações. De fato, a batalha não está vencida, mas o BC deixa espaço para que, se for necessário, ele volte a elevar os juros. Por isso ele chama a atenção para a questão fiscal. Dependendo do que o próximo governo diga que vá fazer, isso pode afetar as expectativas, desvalorizar o real e ter um impacto inflacionário que leve a um novo aumento dos juros.
Valor: De onde vem o maior risco para a política monetária, do exterior ou do cenário local?
Loyola: É difícil dar pesos. Mas o fato é que tem um desses riscos que está sob o controle do Brasil, que é a questão fiscal. Se o Brasil se prepara e tem uma boa política fiscal, trazendo de volta uma meta que tenha credibilidade, o país fica em uma posição mais confortável para enfrentar o que vem de fora. Esse é o nosso calcanhar de Aquiles. De resto, estamos bem. Temos mais de US$ 300 bilhões de reservas internacionais, o governo não tem dívida em dólar, o sistema financeiro é sólido. Claro que pode ter algum sofrimento, o PIB pode cair, mas tem como, de alguma forma, fazer política contracíclica. O grande problema é o fiscal. Porque, dependendo da situação das contas públicas, você pode inviabilizar a política monetária, porque pode vir aquela famosa dominância fiscal. Com relação ao exterior, há muitos fatores que precisam ser considerados. A questão do conflito na Ucrânia, onde isso vai parar, para mim é um dos principais riscos. O risco da recessão nos EUA o mercado consegue precificar de alguma maneira. Um agravamento do conflito na Europa, não.
Valor: O câmbio voltou a mostrar alguma volatilidade nos últimos dias. A que o senhor atribui esse movimento?
Loyola: Tem um processo global de valorização do dólar que, desde os anos 80, o dólar não esteve tão forte como agora. Então isso afeta o Brasil. Mas olhando a trajetória dólar/real, ela tem muito a ver com as incertezas domésticas. Tem um pano de fundo internacional de dólar mais forte, mas essa volatilidade no curto prazo tem muito mais a ver com as questões locais. Esta semana, o dólar esteve muito pressionado, e isso tem a ver com essa tensão pré-eleição.
Valor: O senhor concorda com a ideia de que o fim da eleição trará tranquilidade aos mercados seja qual for o vencedor? Ou a reação dependerá do que será anunciado?
Loyola: Vai depender do que for anunciado. E acho que o mercado vai cobrar mais do [ex-presidente] Lula do que do [atual presidente Jair] Bolsonaro. No caso de uma reeleição, o ministro já é conhecido, então o que pode agradar o mercado ou não é o que o ministro Paulo Guedes anuncie em termos de ações no campo fiscal. Já o Lula vai ser cobrado para definir seu ministro. E aí o mercado pode se frustrar ou aplaudir, dependendo do nome. Isso pode determinar algum movimento dos ativos, mas não deve ser nada dramático.
Fonte: Valor Econômico

