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Terminou na sexta-feira a corrida de contribuintes brasileiros com recursos financeiros, bens e rendas no exterior para escolher que tratamento tributário dar para o patrimônio familiar sob o novo marco previsto na Lei 14.754. Aprovado no fim do ano passado, o mesmo texto que impôs o imposto semestral (o chamado “come-cotas”) a alguns tipos de fundos fechados exclusivos e restritos locais trouxe regras que afetam de forma significativa ativos e estruturas de gestão de riqueza mantidas fora do Brasil (“offshore”), só que em prazos diferentes.
Com cifras altas no exterior, às vezes acumuladas por décadas, foi no caso a caso que os grupos familiares lidaram com o novo arsenal tributário com seus assessores jurídicos e financeiros. As soluções levaram em conta o momento de vida, as necessidades de liquidez e o tempo planejado para a transferência da riqueza para herdeiros.
Os donos de fortunas tiveram que pesar entre janeiro e maio se valia atualizar a preço de mercado o patrimônio que detêm no exterior pela data de 31 de dezembro de 2023. Quem seguisse esse caminho anteciparia o pagamento de imposto pela alíquota de 8% sobre os rendimentos acumulados em relação ao custo de aquisição, um desconto sobre os 15% que passarão a valer neste ano – para a declaração de 2025.
Seria uma forma também de travar a variação cambial, que deixará de ser isenta, passando a compor a base de cálculo para ganhos de capital decorrentes da venda de bens e direitos e aplicações financeiras realizadas com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira acima de US$ 5 mil. O volume que pagasse o pedágio na frente não teria esse ônus. O dólar para essa alternativa foi fixado em R$ 4,8413, o câmbio do encerramento de 2023.
O prazo foi apertado para fazer algumas escolhas, já que a instrução normativa (IN) da Receita Federal saiu só em março, com esclarecimentos adicionais sendo feitos em versões de “perguntas e respostas” que foram atualizadas ao longo do processo no site do órgão da Fazenda.
Dentro do UBS, foi baixa a adesão ao Abex, o sistema de apuração do IRPF que permitiu a atualização de bens e direitos no exterior, com o respectivo pagamento de imposto sobre ganhos acumulados pela alíquota diferenciada de 8%.
Segundo Yuri Freitas, chefe da área de planejamento de riqueza do grupo suíço no país, como o cliente brasileiro costuma ter um viés para aplicações locais por dispor de um CDI “gordo”, ele deixa uma fatia pequena no exterior, de cerca de 20% da carteira. E é um dinheiro para proteção, não é aquele que vai acessar se precisar de liquidez. “Se vai deixar para a próxima geração, não tem por que antecipar”, diz. “O cliente foi para o conhecido, a estrutura opaca e sem antecipação.” O sócio de uma gestora de fortunas afirma que 95% dos clientes da base optaram pelo regime opaco e não aderiram à alíquota menor, de 8%.
A legislação trouxe como alternativa adotar o regime opaco, com a tributação anual de 15%. Esse modelo é considerado o mais adequado para carteiras com grande fluxo de transações, com rendas de juros, dividendos, ativos pulverizados, com dívida e que investem em países que não têm acordo de bitributação com o Brasil.
Já as estruturas transparentes, com abertura de dados em balanços periódicos, se encaixam melhor a carteiras de baixa liquidez, com o imposto cobrado só na hora do desinvestimento. A pessoa física pode explicitar os bens e direitos da entidade controlada no exterior como se fossem seus na declaração anual de 2024/2025. As perdas podem ser compensadas com ganhos de operações da mesma natureza, no mesmo período de apuração. Essa foi uma solução também para gestoras brasileiras que compram participação em empresas (“private equity” ou “venture capital”), e têm seus veículos no exterior. Uma pendência resolvida foi a possibilidade de os administradores apurarem o resultado líquido (“net income value”).
“A legislação permitiu ao contribuinte a segregação de entidades e ativos, com uma opaca e outra transparente para acomodar diferentes situações”, diz Alessandro Fonseca, sócio da prática de gestão patrimonial do escritório Mattos Filho.
Um ponto que chamou atenção do advogado foi um comentário da Receita de que gastos e despesas de pessoas em entidades offshore não são dedutíveis do lucro tributável e estão sujeitos à regra geral. Em termos práticos, isso sugere que, além da contabilidade do balanço patrimonial, o mecanismo de apuração de resultados pode ser alvo de monitoramento.
“Sinaliza uma tendência de fiscalização, no sentido de que a apropriação contábil dessas entidades pode ser avaliada conforme a regra brasileira, com auditoria fiscal sobre entidades no exterior, como se fosse um regulado tributário no país.”
O Fisco indicou ainda que vai olhar para “outros resultados abrangentes”, a conta auxiliar no balanço, em que a variação patrimonial do investimento não transita pelo resultado do exercício. Essa conta precisa ser usada como exceção e não se aplica, por exemplo, para quem faz compra e venda de ações. “É um sinal de alerta para os contribuintes no sentido de observar a adequação da técnica contábil”, afirma Fonseca.
Essa era uma forma de diferimento, diz Lucas Babo, associado sênior da área tributária do Cescon Barrieu. Quando realiza [o lucro], estorna e joga contra o resultado de uma vez só. “Para o ativo financeiro, a Receita espera que seja o valor justo contra o resultado.”
Nos casos assessorados pelo Mattos Filho, a maioria dos contribuintes optou pela estrutura opaca, colocando a tributação anual de 15% na conta. Neste caso, o primeiro pagamento de IR será na declaração anual de 2025, em relação a resultados apurados de janeiro a dezembro de 2024.
Alguns clientes com saldo antigo, passível de distribuição, já “acruado” até o fim de 2023, aproveitaram o IR de 8%. “Para quem tem estoque antigo e tinha disponibilidade fazia sentido, porque é uma redução significativa a valor presente em relação aos 15%.”
Muitos investidores mandam recursos para o exterior para proteger parcela do patrimônio em dólar e colocar o câmbio na balança pode ser vantajoso, diz Babo, do Cescon Barrieu.
“Quem fez isso em 2014, por exemplo [quando a moeda estava a R$ 2,40], pode ter tido ganho maior com a variação cambial do que com a rentabilidade dos ativos” dentro da offshore, diz. O problema é que não dá para fazer adesão parcial, “é tudo ou nada”, diz.
No escritório, foi recorrente a escolha do regime opaco. Mas para quem tinha um imóvel que pretende vender neste ano, a recomendação foi fazer a atualização, pagar os 8% e adotar a estrutura transparente.
Freitas, do UBS, diz que o modelo de transparência, em tese, poderia acomodar títulos de dívida (“bonds”) no exterior, se a intenção for carregá-los até o vencimento. Mas a Receita dá a entender que é excepcional, “é quase uma ameaça fiscal velada”, afirma. No aconselhamento, a postura do banco foi conservadora, explicando a norma e colocando prós e contras. A seu ver, a Receita Federal diz não abrir mão da tributação pelo valor de mercado, mas trouxe como solução a transparência para quem não quisesse pagar IR periódico.
Para o dinheiro novo, os grupos familiares têm direcionado para duas entidades distintas, encaminhando o recurso ilíquido para a transparente. “O nome do jogo é customização”, afirma Freitas.
Fonte: Valor Econômico
