Desvincular o aumento do salário mínimo à Previdência e aos benefícios assistenciais e também desatrelar os pisos dos gastos de saúde e educação às receitas estão entre as medidas prioritárias para garantir a sustentabilidade da dívida pública. Embora sejam consideradas imprescindíveis para evitar que a economia seja “sufocada” com a busca de receitas, as medidas de desvinculação geram dúvida sobre sua viabilidade política.
Em entrevista publicada ontem pelo Valor a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, declarou-se favorável à desvinculação entre Previdência e salário mínimo, que tem sido ajustado em termos reais. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recomendou na rede social X (o ex-Twitter) um artigo em que o economista Bráulio Borges aponta a desvinculação do piso previdenciário com o salário mínimo como um dos caminhos para reduzir as despesas da União. O artigo foi publicado no Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre.
Para Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, as declarações de Tebet mostram percepção de que medidas como as de “spending reviews” não são suficientes para a consolidação fiscal e é preciso corte maior de despesas. “Criamos regras excessivamente flexíveis que permitem acomodar mais gastos de forma incompatível com o crescimento econômico e a sustentabilidade da dívida pública. Não vamos gerar volume de receitas necessário para amparar os gastos sem sufocar a economia.”
As despesas da Previdência já correspondem a mais de 40% da receita total do governo e são de longe a principal conta de despesa do governo federal, destaca Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências. Ele cita estudo no qual o Tesouro Nacional mostra que para cada R$ 1 a mais de salário mínimo são quase R$ 400 milhões de aumento de despesas com a Previdência e benefícios, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o abono salarial. “Olhando o reajuste real previsto de 2023 a 2026, estamos falando de aumento acumulado de cerca de R$ 150 bilhões, em razão da política de valorização do mínimo e sua vinculação aos benefícios.”
No artigo recomendado por Haddad, Borges defende que um “elemento crucial” para conter os gastos previdenciários seria a desvinculação do piso da aposentadoria e de outros benefícios assistenciais, como o BPC, do salário mínimo nacional. Ele sugere que as aposentadorias e pensões sejam reajustadas pela inflação. Borges também defende que critérios de idade mínima de aposentadoria e tempo mínimo de contribuição não sejam fixos ao longo do tempo, mas acompanhem de forma “automática” a evolução da expectativa de sobrevida da população brasileira apurada pelo IBGE.
Para Kawall, a correção pela inflação de aposentadorias e benefícios assistenciais poderia ser caminho intermediário a ser proposto no debate da desvinculação do salário mínimo, o que traria maior flexibilidade para o gasto e tornaria discricionário eventual reajuste real. Há necessidade também de reformas paramétricas na concessão de aposentadorias, diz. “Seria uma reforma relativamente mais simples porque a mudança fundamental de condicionar por idade já foi feita em 2019.”
Kawall lembra, porém, que essa recalibragem, que se faz necessária ao longo do tempo, só fará efeito em dez ou 15 anos. “No curto prazo o aumento real do salário mínimo alarga a base da pirâmide e isso será inviabilizado ao longo do tempo. Não dará tempo de a mudança estrutural de recalibragem fazer diferença. No curto prazo é mais importante fazer a desvinculação [com o salário mínimo].”
Outra questão importante que está nas declarações de Tebet, segundo Kawall, é a dos pisos mínimos para saúde e educação, que trazem uma dinâmica de crescimento real dos gastos nessas áreas e conflitam com a sustentabilidade fiscal no médio e longo prazos.
Tema é muito sensível politicamente, apesar de fazer sentido do ponto de vista econômico”
— Fábio Serrano
A vinculação entre receitas da União e gastos com saúde e educação foi efeito da chamada Emenda da Transição (EC 126/2022), que, ao revogar o teto de gastos e outros mecanismos de correção de despesas, trouxe automaticamente as regras anteriores pelas quais as despesas de saúde são vinculadas ao crescimento da receita corrente líquida (RCL) e os gastos da educação, à receita líquida de impostos
“Na educação a ministra trouxe uma discussão inovadora, a de incluir o Fundeb nas despesas de educação”, diz Kawall. Ele lembra que os mínimos constitucionais na saúde e educação criam amarras não somente à União, mas também a Estados e municípios.
O que preocupa, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, é que Tebet não parece preocupada em fazer modificações importantes nos gastos com saúde. “Ela parece não querer mudar nada. E há um problema no mínimo constitucional da saúde, que já está espremendo a despesa discricionária”, diz. “O gasto com saúde é elevado e ineficiente. Não se avalia o gasto, e a pressão é sempre por mais gasto sem avaliação.”
Vinculações como as dos benefícios previdenciários ao salário mínimo ou as dos pisos com saúde e educação a métricas de receita “têm pressionado muito o Orçamento”, segundo Fábio Serrano, economista do BTG Pactual. O tema, porém, diz Serrano, é “muito sensível politicamente, apesar de fazer sentido do ponto de vista econômico”. Para ele, o tema não tem apoio político suficiente.
Campos Neto, da Tendências, tem avaliação semelhante. “Por mais que a proposta hoje esteja partindo de dentro do governo, do Planejamento, e certamente com o apoio da Fazenda, a restrição política será enorme”, diz.
fonte: valor econômico

