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A contenção de R$ 15 bilhões em despesas discricionárias (não obrigatórias) anunciada ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi, em geral, bem avaliada pelos economistas, já que veio acima do piso de R$ 10 bilhões aventados por agentes do mercado. O valor, no entanto, ainda é considerado insuficiente para garantir o cumprimento da meta zero de resultado primário este ano. Os analistas também aguardam a divulgação do relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas primárias do Tesouro Nacional, na próxima segunda-feira, para entender a consistência do ajuste.
O bloqueio de R$ 11,2 bilhões em despesas não obrigatórias “foi um movimento positivo, que deve reduzir o risco fiscal de descumprimento do limite de despesas”, diz Tiago Sbardelotto, economista da XP. “Em nossa avaliação, seria necessário um bloqueio de R$ 16 bilhões [para o ano], e uma parte importante desse valor vai ser feito agora, o que torna menos custoso ajustes adicionais menores”, afirma.
Por outro lado, o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões ainda parece insuficiente para Sbardelotto. “Para atingir a meta, considerando um empoçamento, vemos necessidade de um corte maior, de R$ 25,5 bilhões”, diz.
Quando o desempenho das receitas é mais fraco do que o esperado, o governo pode compensar realizando um congelamento de despesas discricionárias, que é o contingenciamento. Já se a estimativa de despesa total excede o montante permitido pela regra fiscal por causa do crescimento excessivo dos gastos obrigatórios, o governo realiza um bloqueio de despesas discricionárias.
“O bloqueio é uma mudança na composição dos gastos, um jogo de ‘soma zero’ entre itens obrigatórios e discricionários. Já o contingenciamento, tudo o mais constante, resulta em diminuição das despesas totais”, explica Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays. No fim, ambas as medidas implicam cortes de despesas não obrigatórias, mas o contingenciamento é o que afeta, de fato, o resultado primário.
Em conjunto, o anúncio de ontem do governo dá conta de um ajuste de R$ 15 bilhões.
Entre bloqueio e contingenciamento, Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, esperava um número maior, de R$ 19,5 bilhões. Para ele, a composição do que foi divulgado indica que pouco foi alterado na linha de receita.
As previsões de arrecadação com novas regras no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e nas transações tributárias, que somam quase R$ 90 bilhões, por exemplo, não devem ter mudado, aponta. Até o momento, porém, não houve entrada significativa dessas receitas, observa.
“O mercado deve ser positivo [na sua reação] na margem, mas está longe de resolver o problema, porque há uma incerteza considerável sobre se o governo conseguirá esse volume de receita”, afirma.
Com o bloqueio de R$ 11,2 bilhões, o ajuste parece ter sido feito mais pelo lado do gasto, diz Leal. Sua suspeita é que o principal vetor tenha sido a reavaliação para cima nas despesas obrigatórias com Previdência e assistência social, duas rubricas que estavam crescendo muito, segundo ele.
Se, no entanto, a receita fosse ajustada nos pontos do Carf e das transações tributárias e a despesa tivesse regulagem mais rigorosa, com o cumprimento do centro da meta de déficit, bloqueio e contingenciamento estariam na casa dos R$ 50 bilhões, estima Leal.
O anúncio do governo veio mais próximo das estimativas da Warren Investimentos, de um congelamento de R$ 16 bilhões, e foi considerado “bastante positivo” pelo economista-chefe Felipe Salto. Na sua avaliação, foi um sinal de que o governo quer cumprir a promessa de atender às metas estabelecidas no novo arcabouço fiscal.
A Warren estima que, para isso, é necessário um corte de R$ 26,8 bilhões em despesas discricionárias este ano. Com a contenção de R$ 15 bilhões, restam R$ 11,8 bilhões a serem congelados, o que ainda poderá ocorrer nas próximas edições do relatório de avaliação bimestral, em setembro e novembro.
Salto calcula que, no relatório de julho, o governo deve ter esticado a projeção de déficit primário em 2024 de R$ 14,5 bilhões para R$ 28,8 bilhões – equivalente a um déficit de 0,25% do PIB, o limite da regra -, contingenciando o necessário para preservar essa banda. Dos R$ 14,3 bilhões que entraram na previsão de déficit, Salto estima que R$ 2,5 bilhões foram aproveitados do espaço que ainda havia, segundo o arcabouço atual, para as despesas totais crescerem, e outros R$ 11,8 bilhões envolveram redução na projeção de receita líquida. Somada ao contingenciamento de R$ 3,8 bilhões, a revisão de receita líquida projetada deve ter sido de R$ 15,6 bilhões, segundo Salto.
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro, também diz, em um comentário, que “explicitamente, o governo não mirou o centro da meta de resultado primário”. O Santander cravou a projeção de um ajuste de R$ 15 bilhões na avaliação de julho.
“Vemos como positiva a sinalização inicial (dentro do possível) e é muito provável a necessidade de superar importantes desafios para a consolidação fiscal à frente. Ou seja, a dose foi comedida, mas na direção correta”, escreve Vescovi.
O resultado fiscal para o fim do ano ainda terá desafios à frente, a depender, segundo ela, da contenção dos gastos com a Previdência, da evolução da arrecadação com medidas extraordinárias, como as mudanças no Carf, e da questão da desoneração da folha de pagamento.
Ao entregar um ajuste “no meio do caminho”, o governo conseguiu comprar algum tempo, mas está longe de resolver o problema, diz Leal, da ARX. “É um jogo de ganhar tempo, e o Haddad conseguiu vencer essa batalha, mas está longe de ter vencido a guerra. O orçamento ainda tem muitos problemas que precisam ser corrigidos”, afirma.
Economistas ponderam ser preciso aguardar o detalhamento do relatório de julho, no dia 22 de julho, para entender quais despesas obrigatórias foram reestimadas para cima e quais receitas foram revisadas para baixo.
“O relatório anterior estava pouco realista, há nível maior de despesa com a manutenção da desoneração da folha e receita menor por pouca entrada via Carf, logo, estava clara a necessidade de ajuste via bloqueio mais contingenciamento. Resta saber o quão realista o relatório da semana que vem será. Acreditamos que será pouco mais realista”, escreve, em comentário, Leonardo Costa, economista do ASA
Para Secemski, do Barclays, foi positivo a equipe econômica já ter antecipado que não foram incluídas medidas do “pente-fino” em benefícios no cálculo das despesas obrigatórias que serão ajustadas, “já que o tempo para entregar resultados relevantes em 2024 parece exíguo, o que poderia gerar questionamentos por parte do mercado”, afirma o economista.
Sbardelotto, da XP, também diz que “há diversas informações e premissas que o governo pode ter adotado quando da atualização da estimativa de receitas” e que “é preciso avaliá-las para se ter maior clareza de quanto o governo avançou rumo a um cenário que consideramos mais realista”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

