Por Daniela Chiaretti — De São Paulo
29/09/2023 05h01 Atualizado há 4 dias
“A era dos combustíveis fósseis deve chegar ao fim”, diz Aniruddha (Ani) Dasgupta, presidente e CEO do World Resources Institute, instituto de pesquisas relacionadas à economia de baixo carbono. Ele comentava os resultados do relatório da Agência Internacional de Energia, que saiu há poucos dias e também o relatório da ONU conhecido como “Global Stock Take”, que faz a radiografia do momento climático global nas promessas de corte de emissões dos países, e mostra que o mundo está fora de curso. “Precisamos que todos cumpram os compromissos com o Acordo de Paris e estabeleçam metas mais ambiciosas. Não podemos nos dar ao luxo de perder mais tempo”.
Natural de Déli, Dasgupta tem experiência em cidades sustentáveis, desenho urbano e redução da pobreza. Veio ao Pará em junho, para o lançamento do relatório do WRI Brasil sobre bioeconomia. “A economia em que vivemos hoje valoriza a destruição da floresta”, diz.
Desde junho de 2021, Dasgupta preside o WRI, think-tank fundado em 1982, com 1,8 mil profissionais pelo mundo e escritórios no Brasil, China, Colômbia, Índia, Indonésia, México e EUA, na África e na Europa. No momento atual, em que as energias renováveis crescem, mas a economia baseada nos combustíveis fósseis lucra, diz que “encontraremos contradições em todos os países. Todos viveremos essa era de contradição porque a transição levará uma geração para acontecer”. Dasgupta falou ao Valor em Belém e também por email. A seguir alguns trechos:
Valor: A Agência Internacional de Energia lançou relatório dizendo que a demanda por combustíveis fósseis precisa cair 25% até 2030 para manter possível o limite de aquecimento de 1,5°C. Não estamos nesse caminho. Como reverter?
Ani Dasgupta: O relatório da AIE explica porque estou esperançoso com relação ao futuro: o crescimento explosivo da energia renovável, dos veículos elétricos e de outros investimentos limpos tem sido impressionante. Apesar da turbulência dos últimos anos -a pandemia global, a invasão da Ucrânia, o aumento da inflação– a adoção de tecnologias verdes continua a superar as expectativas.
A bioeconomia é importante não só pelo valor que pode injetar no PIB, mas de quem se beneficiará dela”
Embora exista mais de uma maneira de o mundo atingir emissões líquidas zero, há também mudanças importantes que precisam acontecer para tornar possível um futuro net-zero. O relatório da AIE delineia um conjunto claro de prioridades, incluindo o fato de que a era dos combustíveis fósseis deve chegar ao fim. Os esforços para eliminar e reduzir gradualmente os combustíveis fósseis têm enfrentado grande resistência, mas o rápido progresso e o aumento da demanda por energia limpa sinalizam que essa mudança é possível. Atingir emissões líquidas-zero até 2050 é uma questão de saber se todas as peças se juntarão ou não.
Valor: O ano tem sido marcado por ondas de calor, incêndios e inundações em toda parte. Os governos continuam tímidos. O senhor acha que a população entende o que está acontecendo? O que fará com que os governos tomem decisões políticas difíceis, mas vitais?
Dasgupta: As pessoas não precisam de mais eventos extremos para concordar que estamos enfrentando uma crise climática. As evidências estão ao nosso redor: incêndios e secas em alguns dos lugares mais úmidos do planeta, como a Amazônia, chuvas incessantes e inundações em muitas regiões, como o que acaba de acontecer no Sul do Brasil, e temperaturas extremas no mundo todo para bilhões de pessoas que vivem em cidades e que sofrem com o calor.
E nós só experimentamos os impactos de 1,2°C de aquecimento. Os impactos da mudança climática a 1,5°C e além serão ainda mais frequentes e generalizados, e a recuperação será exponencialmente mais cara. Bilhões de pessoas enxergam que a mudança climática é uma grande ameaça. Todos os países agora reconhecem que a crise climática é algo para o qual devemos tomar medidas coletivas. Precisamos de ações governamentais que se alinhem a essa realidade.
Valor: De acordo com a IEA, economias desenvolvidas como os Estados Unidos e a União Europeia, devem antecipar a meta de neutralidade de carbono em cinco anos (de 2050 para 2045), e a China, em 10 anos, (para 2050), para que possam cumprir metas do Acordo de Paris. Há algum sinal disso?
Dasgupta: No início de setembro, a ONU divulgou o relatório de síntese Global Stocktake, que é a visão geral mais abrangente da ação climática desde que o Acordo de Paris foi adotado em 2015. Deixou claro o quanto o mundo está fora do caminho de suas metas climáticas. Os atuais planos climáticos nacionais (conhecidos pela sigla NDC) reduzirão as emissões em apenas 7%, mas precisamos reduzi-las em 43% até 2030 para nos alinharmos a um futuro de 1,5°C.
É hora de os líderes mundiais reagirem. Juntos, precisamos avançar seis vezes mais rápido. O Global Stocktake pode ser o alerta que moverá os países a fazerem a transição para uma economia melhor -uma economia que crie empregos limpos e de qualidade, que garanta a segurança alimentar presente e futura, e assegure que as pessoas possam suportar os extremos climáticos que estão por vir. O Acordo de Paris foi projetado para aumentar a ambição a cada cinco anos. Esta é a primeira vez em que estamos testando se o processo realmente força os países a dar uma olhada honesta no que precisa ser feito e a aumentar suas ações.
O atual governo brasileiro corrigiu o retrocesso anterior da meta climática do país. Precisamos ver ações ainda mais ambiciosas de todos os países, está claro que elas não são suficientes. Sabemos que o crescimento verde não só é possível, como ficou claro no relatório da AIE, como é benéfico para todos. O New Climate Economy Report, de 2018, constatou que a ação climática “poderia gerar um ganho econômico direto de US$ 26 trilhões até 2030 em comparação à manutenção do status quo”.
A adoção de mais infraestrutura de combustível fóssil é um erro: será investimento morto em 15 anos”
Valor: O aumento de ambição pode ocorrer na COP 28, em Dubai?
Dasgupta: A COP 28 será um momento importante para que os países façam um balanço de seus compromissos e trabalhem para construir novas pontes de ação coletiva. Quanto mais rápido cada país implementar seus planos climáticos, melhor será para todos nós. No WRI pensamos que o evento deve entregar quatro pontos.
Valor: Quais?
Dasgupta: O mundo precisa avançar na mitigação dos combustíveis fósseis. Em segundo lugar, os sistemas alimentares devem ser reconhecidos como parte da solução: produzem 1/3 das emissões globais e são fundamentais para a existência humana. Temos que encontrar uma solução que reduza a emissão do setor, produzindo alimentos para o mundo sem usar mais terra do que a que já existe hoje. Porque a terra que tomaremos, será de florestas e biomas que não podemos mais destruir. O terceiro ponto é finanças -não só finanças climáticas, mas finanças. O quarto é avançar na ambição.
Valor: O que as eleições nos EUA podem significar para o clima?
Dasgupta: Não posso fazer comentários diretos sobre as eleições nos EUA. Toda eleição em um grande país emissor é importante agora, quando precisamos de ações urgentes para transformar as economias em favor das pessoas, da natureza e do clima. Precisamos que todos cumpram seus compromissos com o Acordo de Paris e estabeleçam metas mais ambiciosas. Não podemos nos dar ao luxo de perder mais tempo.
Valor: Qual sua visão sobre bioeconomia?
Dasgupta: Para o Brasil, e para a região amazônica, com tal riqueza de biodiversidade, a questão é como bioeconomia pode se tornar parte da solução. Bioeconomia existe há milhares de anos, porque é como as comunidades indígenas têm vivido, com muito êxito, com a floresta. A questão é como viver com a floresta sem destruí-la. As comunidades indígenas sabem. No relatório que lançamos, a Nova Economia da Amazônia (NEA, lançado em Belém em junho) vemos que os povos indígenas usam até 200 diferentes espécies de plantas e nós usamos só 30. Isso mostra o nosso conhecimento limitado do mundo e o quão sofisticado é esse conhecimento indígena.
A economia em que vivemos não valoriza isso. O que valorizamos? Nós recompensamos a destruição da floresta. Como desenvolver uma economia que recompense viver com a floresta e extrair de forma que ela permaneça?
Valor: Isso é invisível para a economia atual.
Dasgupta: Sim. O ponto da bioeconomia é como fazer com que ela se torne “mainstream”. O relatório indica que bioeconomia pode representar parte significativa da economia. Mas é importante não apenas pela injeção anual de R$ 40 bilhões no PIB da Amazônia. Depende de quem se beneficiará com ela. Serão as pessoas que foram marginalizadas que avançarão. Não é apenas o valor monetário da economia que é importante, mas quem fará parte dela. Isso sem falar dos serviços ecossistêmicos que a floresta fornece. E tem mais.
Valor: O quê?
Dasgupta: Hoje a economia ainda fornece mais de US$ 700 bilhões em subsídios para combustíveis fósseis. Há muito valor aqui, na floresta, sobre o qual podemos realmente pensar. Além disso, a ciência é clara: sem a natureza nunca chegaremos a limitar o aquecimento em 1,5°C.
Valor: Mas se sabemos isso tudo, porque não funciona?
Dasgupta: A resposta simples é que sabemos que isso funcionaria, mas não temos as políticas necessárias para a mudança. Sabemos que precisamos obter energia renovável, proteger as florestas, precisamos descarbonizar o transporte, produzir alimentos de forma diferente. Mas veja no caso da energia: a energia do futuro pode ser descentralizada, novas empresas que não produziam petróleo estão produzindo energia solar. É uma transição de algumas pessoas para outras. A transição requer mudança, mas requer políticas públicas que apoiem a mudança.
Veja a Noruega, país que tem o maior percentual de carros elétricos, mas não produz carros. Criaram uma política pública para subsidiar os carros elétricos com um volume enorme de impostos sobre os carros a gasolina. A transição é uma mudança social e de comportamento.
Valor: A Noruega ajuda a Amazônia e outross, mas pode ser o primeiro no mundo a perfurar solos profundos do mar para achar minerais para a transição.
Dasgupta: Encontraremos contradições em todos os países do mundo. A Noruega, por exemplo, é um financiador muito positivo da mudança, mas ao mesmo tempo que eletrifica o transporte, ainda é produtor de petróleo. Todos viveremos essa era de contradição. Porque a transição levará uma geração para acontecer.
Valor: Mas a economia dos combustíveis fósseis tem uma receita segura, e as pessoas acham que a pobreza pode ser reduzida assim.
Dasgupta: Líderes pensam como o povo pode ter uma vida melhor e isso é verdade em todos os países do mundo. E mais ainda para os países mais pobres, que precisam crescer. Como fazer isso é a pergunta. Se olharmos apenas para o panorama energético, acho que a adoção de mais infraestrutura de combustível fóssil é um erro porque se gastará dinheiro em algo que exigirá muitos recursos, para se fazer algo que, além de ser ruim para o ambiente, será um investimento morto em 15 anos,
Valor: Serão “ativos podres” porque o mundo irá para o net-zero?
Dasgupta: Porque o mundo seguirá em frente, porque o combustível fóssil não terá mais o preço adequado. Esse não é o melhor investimento a ser feito, tanto do ponto de vista moral para o mundo, quanto como investimento. Seria muito melhor, com o mesmo dinheiro, criar um setor de energia renovável ou outras formas de fazer o país avançar.
Fonte: Valor Econômico

