Por John Plender
09/05/2022 05h03 Atualizado há 5 horas
Foi necessária a devastadora combinação de pandemia, guerra na Ucrânia e uma mudança de 180° dos BCs com relação à inflação. Desde a virada do ano as regras do jogo nos mercados são drasticamente subvertidas. Lá se foram aquelas abreviações famosas como Fomo (“fear of missing out”, ou medo de perder uma boa oportunidade de ganhos), Tina (“there is no alternative to higher risk equities and credit” ou não há alternativa a ações de maior risco e ao crédito) e BTD (“buy the dip”, aproveitar a baixa para comprar).
A reação empolgada das bolsas de valores ao que foi inicialmente visto como sinais de posição mais acomodatícia no aperto monetário adotado na semana passada evaporou rapidamente – como um mero vislumbre momentâneo no que mostra ser agora claramente um “bear market” (mercado baixista). Pelo menos a lucidez parece estar voltando à política monetária dos bancos centrais.
O risco de cometer erro de política monetária é elevado. O temor é o de que os BCs possam precipitar uma recessão em uma época em que a dívida mundial se encontra em níveis recordes para tempos de paz
Ao não terem oferecido qualquer argumento convincente para continuar seus programas de compras de ativos muito após a crise financeira de 2007-2009, os BCs estão agora comprometidos em elevar as taxas de juros e a encolher seus balanços. Isso oferece a esperança de que, após anos de preços exagerados de ativos e má precificação de risco, o conteúdo informativo dos preços do mercado voltará a adquirir sentido.
O maior indicador de uma aparência de normalidade é a queda do número de bônus com rendimento negativo no mundo inteiro, onde se reduziu para uma marca de cerca de 100, se comparada aos 4.500 títulos desse tipo no ano passado, do índice Bloomberg de Dívida Agregada Mundial de Rendimento Negativo.
Diante disso, a prática, carregada de risco moral, de pagar pessoas para tomar empréstimos está com os dias contados, e a necessidade de procurar retorno, independentemente do risco, está perdendo a força. Os papéis referenciais americanos, os títulos do Tesouro de 10 anos, estão com rendimento próximo a 3%, mais que o dobro do nível ostentado em fim de novembro. Desde janeiro, os preços das ações e dos bônus caíram em conjunto, de maneira que uma carteira convencional na proporção de 60 por 40 de ações e bônus não ofereceu aos investidores qualquer diversificação.
A grande pergunta é se tudo isso marca o fim da política monetária assimétrica, por meio da qual os BCs repetidamente estendiam uma rede de segurança debaixo de mercados em colapso ao mesmo tempo em que se negavam a coibir a exuberância irracional. No curto prazo a resposta é sim, pelo menos nos Estados Unidos. Pois, como observou Bill Dudley, ex-diretor do Fed de Nova York, o BC americano quer um mercado de capitais mais fraco e rendimentos de bônus mais elevados. Isso aperta as condições financeiras, reduzindo, assim, a necessidade de agir por meio da política monetária.
Mas antes de se entusiasmar demais com o novo impulso de política monetária que está sendo descrito, em amplos círculos, como agressivo, é importante notar que a taxa de juros referencial real permanece negativa. O núcleo de inflação, tal como medida pelo indicador preferido do Fed, o índice de preços dos gastos com consumo pessoal, estava em 5,2% em março comparativamente ao ano anterior, enquanto o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, nas iniciais em inglês) elevou a faixa-meta da taxa do interbancário americano na semana passada para apenas 0,75%, para 1%. Portanto, embora a política monetária venha sendo enrijecida, dificilmente se poderia chamá-la de apertada.
O risco de cometer erro de política monetária é elevado porque, como reconheceu na quarta-feira o presidente do Fed, Jay Powell, uma posição neutra em política monetária que nem acelere nem retarde a economia “não é algo que possamos identificar com alguma precisão”. O temor é o de que os BCs possam precipitar uma recessão em uma época em que a dívida mundial se encontra em níveis recordes para tempos de paz.
Segundo a entidade de classe Instituto de Finanças Internacionais, a dívida não financeira corporativa mundial subiu de US$ 81,9 trilhões para fenomenais US$ 86,6 trilhões entre o terceiro trimestre de 2020 e o mesmo trimestre de 2021. Essa soma, equivalente a 97,9% do Produto Interno Bruto (PIB) global, sugere uma susceptibilidade corporativa maior que a habitual a aumentos de taxas de juros e uma grave vulnerabilidade.
De qualquer maneira, pode ser necessária uma recessão para submeter a inflação de volta ao controle. E na quinta-feira o Banco da Inglaterra (o BC inglês) alertou que a economia britânica vai resvalar para a recessão neste ano, num momento em que os preços mais elevados dos produtos energéticos empurram a inflação para níveis superiores a 10%. Membros do Comitê de Política Monetária estão claramente preparados para fortalecer o aperto à renda das famílias a fim de enfrentar a escalada da inflação. Aprovaram, em votação, a elevação da taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 1%, o nível mais elevado de mais de dez anos.
O quadro da economia mundial se ensombrece ainda mais agora na esteira da pandemia por causa da China. Sua política de covid zero e seus lockdowns comprometem a demanda, na mesma medida que as insolvências que atingem o setor imobiliário, que representa uma parte desproporcionalmente grande da economia chinesa. Isso é péssima notícia para, entre outros, exportadores da Europa continental, que também estão enfrentando a perda do mercado russo. A economia da zona do euro terá enormes dificuldades para evitar a estagflação.
Para os BCs, isso lembra uma velha piada sobre o que um motorista de táxi disse a um turista perdido que pedia orientação: se eu fosse você, não partiria daqui. O Fed continua confiante de que poderá articular um pouso suave. Isso exigirá sorte, além de discernimento, virtude que não tem estado muito em alta ultimamente. Ainda há a possibilidade real de uma recessão, que poderá criar pânico nos BCs e, portanto, uma volta à política monetária assimétrica e a mais afrouxamento quantitativo.
Na verdade, os presidentes dos BCs estão apostando tudo no sucesso, apesar de sua ínfima probabilidade de ocorrer. Isso está longe de tranquilizar pessoas cujas rendas estão sujeitas a uma contração brutal, apesar de ser superficialmente animador para os investidores. (Tradução de Rachel Warszawski)
John Plender é colunista do Financial Times
Fonte: Valor Econômico

