O inferno astral de Javier Milei: escândalo de corrupção e eleições fazem liberal intervir no câmbio
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No Fala, Duquesa!, colunista reage ao anúncio do secretário de Finanças de que o BC argentino será mais ativo para controlar o câmbio. Crédito: Edição: Jefferson Perleberg
Levou menos de uma semana — e uma derrota esmagadora para o reformista do livre mercado Javier Milei — para fazer o Morgan Stanley abandonar sua previsão otimista sobre a Argentina.
O banco de Wall Street, juntamente com rivais como o Bank of America e o JPMorgan Chase, aconselhou seus clientes a comprar títulos do governo antes de uma importante eleição local em Buenos Aires neste fim de semana, apostando que os recentes tropeços políticos do presidente já haviam sido precificados durante as vendas massivas que varreram os mercados financeiros do país nos últimos meses.
No domingo, 7, soube-se que o partido de Milei havia sofrido uma derrota esmagadora nas urnas, um sinal preocupante antes das eleições legislativas nacionais do mês que vem, e na manhã de segunda-feira, 8, as previsões otimistas haviam saído pela culatra de forma espetacular.
Alguns dos títulos em moeda forte da Argentina caíram quase US$ 0,07, para US$ 0,55, a maior queda em dois anos, fazendo com que o rendimento disparasse para 12,7%. O mercado local de ações despencou 13%, a pior queda em um único dia desde o início da pandemia. E, à medida que os investidores globais corriam para sair, o peso caiu até 7%, atingindo um novo mínimo histórico. Com o início da liquidação, o Morgan Stanley enviou uma nota aos clientes, informando que havia abandonado seu otimismo.
Os mercados argentinos se estabilizaram no início do pregão desta terça-feira, 9. As ações e os títulos subiram ligeiramente, enquanto o peso caiu mais 1%.

A forte queda do dia anterior deixou um recado claro: investidores temem que Javier Milei, agora envolvido em um escândalo de corrupção, sofra uma derrota expressiva na votação do próximo mês, comprometendo sua capacidade de aprovar as reformas necessárias para sustentar os avanços recentes no combate à inflação e na recuperação econômica.
Para um mercado já acostumado às turbulências argentinas — um país que declarou default nove vezes —, a possibilidade de uma nova crise total voltou a parecer plausível.
Diante desse cenário, o Morgan Stanley retirou sua posição “positiva” em relação aos títulos em dólares, com seus analistas Fernando Sedano e Simon Waever afirmando em nota que, apesar das cotações mais baixas, a incerteza deve perdurar e, por isso, preferem ficar à margem.
A turbulência do mercado na segunda-feira ressaltou o quanto o poder político de Milei foi abalado por relatos de um escândalo de suborno envolvendo sua irmã e supostas propinas pagas em troca de contratos farmacêuticos, o que o governo negou. As notícias mancharam sua reputação de reformador radical e outsider imaculado pela política tradicional. Manifestantes furiosos chegaram a atirar pedras nele durante uma recente aparição pública.
Esperava-se que Milei sofresse uma derrota nas eleições locais, mas a magnitude da derrota de seu partido para a oposição peronista de esquerda — a diferença foi de quase 14 pontos porcentuais — surpreendeu os investidores e gerou rumores de que o presidente iria reorganizar seu gabinete para conter os danos. Milei disse que estava embarcando em uma “profunda autocrítica”.
Uma estrela do mercado
Economista libertário, Milei tornou-se o favorito dos investidores globais por promulgar cortes profundos nos gastos, que reduziram um déficit orçamentário inflado, e reformas radicais no mercado livre, em uma tentativa de reverter a segunda maior economia da América do Sul. Sua terapia de choque começou a mostrar algum sucesso, levando a uma queda na inflação, um surpreendente superávit orçamentário e um acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional.
O resultado desencadeou uma forte alta nos mercados argentinos, elevando as ações e proporcionando aos detentores de títulos em dólares um ganho de 136% desde que Milei foi eleito, ficando atrás apenas do Líbano e do Equador entre as dívidas de mercados emergentes acompanhadas pela Bloomberg.
Esses retornos alimentaram o otimismo entre estrategistas, e alguns antecipam que a desaceleração do mercado pode ser de curta duração.
Os estrategistas do JPMorgan, Luis Oganes e Jonny Goulden, reafirmaram na segunda-feira sua recomendação de sobreponderação dos títulos soberanos da Argentina, dizendo que prevêem que Milei será capaz de salvar sua agenda de reformas e recalibrar “a estratégia política para corrigir erros”.
O Bank of America, que mantém uma classificação acima do peso para a dívida argentina desde meados de 2023, também manteve a postura em uma nota, alertando os investidores para não darem muita importância às eleições locais. Ainda assim, seus estrategistas alertaram que os investidores provavelmente devem se preparar para resultados “menos favoráveis ao mercado” no próximo mês.
Embora alguns gestores financeiros tenham reduzido sua exposição após obterem retornos de três dígitos desde que Milei assumiu o poder no final de 2023, a Argentina continua sendo uma posição overweight (com potencial de desempenho) entre investidores institucionais e fundos de hedge, de acordo com uma nota da mesa de operações do Goldman Sachs Group Inc. vista pela Bloomberg.
Mas a dinâmica política agora está alimentando preocupações sobre a natureza precária da recuperação incipiente rumo às eleições legislativas do próximo mês. O governo já havia começado a intervir no mercado cambial para tentar sustentar o peso e vem rolando sua dívida local a taxas de juros mais altas, ameaçando exercer uma pressão sobre a economia e um aperto no orçamento.
“As próximas sete semanas até as eleições de outubro serão críticas para avaliar se o governo pode controlar os danos”, escreveu Andrés Borenstein, analista do BTG Pactual, em uma nota. “Mas qualquer melhora significativa nos preços dos ativos argentinos provavelmente terá de esperar até o final de outubro, no mínimo.”
À medida que Milei se aproxima do meio de seu mandato, a votação legislativa será fundamental para determinar se ele poderá continuar a conduzir a Argentina por um novo caminho econômico. Sua derrota nas eleições de Buenos Aires ecoou a derrota sofrida por Mauricio Macri nas eleições primárias de 2019, o que alimentou temores de que suas políticas pró-negócios estivessem chegando ao fim.
Enquanto isso, a estratégia de Milei para estabilizar a moeda está se desintegrando. O peso tem oscilado em torno de mínimas históricas desde agosto, apesar dos esforços do governo para aliviar a demanda por dólares, restringindo a liquidez dos bancos e intervindo diretamente no mercado cambial, uma medida que assustou ainda mais os investidores. O peso era negociado acima de 1.400 por dólar na segunda-feira, aproximando-se do nível superior da banda estabelecida pelos formuladores de políticas.
“Vemos espaço para mais volatilidade na corrida para a votação de outubro”, disse Kathryn Exum, codiretora de pesquisa soberana da Gramercy Funds Management. As perspectivas de a Argentina recuperar o acesso ao mercado ou a necessidade de o país fazer gestão de passivos no próximo ano “dependerão do desempenho de Milei em outubro — e, mais importante, da execução das políticas após o resultado”.
Apesar do sentimento negativo, Milei prometeu reforçar seu plano econômico em um discurso logo após o anúncio dos resultados em Buenos Aires, alegando que os erros que levaram ao fraco resultado eleitoral vieram principalmente da frente política.
Na segunda-feira, Milei criou um grupo de trabalho para lidar com a crise. Mas ele não planeja demitir nenhum ministro do gabinete, de acordo com dois funcionários do governo próximos ao presidente, que pediram para não serem identificados, já que as conversas foram privadas.
“Uma mudança drástica na liderança política” e uma aliança mais saudável com outros partidos “seriam muito positivas”, disse Joaquin Bagues, diretor-gerente da corretora local Grit Capital Group, que mantém uma tendência de compra em momentos de fraqueza. “É melhor uma correção antecipada do que tardia.”
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Fonte: Estadão

