Por Chris Giles — Financial Times, de Londres
25/05/2022 05h02 Atualizado há 6 horas
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Se o escritor russo Liev (ou Leon) Tolstói estivesse escrevendo sobre as condições de negócios da atualidade, ele poderia ter notado que as economias felizes são todas parecidas, mas cada economia infeliz é infeliz à sua maneira.
As perspectivas de crescimento da China foram prejudicas pelos rígidos “lockdowns” para conter um surto da variante ômicron do coronavírus; o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) corre o risco de transformar uma forte expansão econômica nos EUA em colapso; as famílias da Europa enfrentam uma crise do custo de vida; e a situação é pior em muitos países emergentes mais pobres, onde há sinais de crises alimentares e até de fome. Esses quatro problemas diferentes, mas imponentes, perseguem a economia mundial enquanto ela se recupera da pandemia de covid-19 e não surpreende que o clima esteja ficando sombrio.
Segundo Robin Brooks, economista-chefe do Instituto Internacional de Finanças (IIF, na sigla em inglês), a confluência desses choques sugere que a economia mundial já está com problemas. “Enfrentamos outra ameaça de recessão no momento, só que desta vez acreditamos que ela é real”, diz ele.
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Os mercados financeiros estão assustados. O índice de ações MSCI World Index caiu mais de 1,5% na semana passada, mais de 5% em maio e mais de 18% desde o pico alcançado no começo de janeiro. Dhaval Joshi, estrategista-chefe da BCA Research, observa que além de um período intenso para as ações, houve uma liquidação nos bônus, nos bônus indexados à inflação, nos metais industriais, ouro e criptoativos.
“A última vez que o alinhamento estelar do ‘tudo em queda’ ocorreu foi no começo de 1981, quando o Fed de Paul Volcker quebrou a espinha da inflação e transformou uma estagflação em uma recessão total”, diz Joshi.
Definir uma recessão mundial não é uma tarefa fácil. Para países individuais, os economistas definem uma “recessão técnica” como dois trimestres consecutivos de contração do PIB. O “Financial Times” prefere uma definição mais flexível, assim como os Estados Unidos, onde o National Bureau of Economic Research (NBER) define uma recessão como “um declínio significativo da atividade econômica que se espalha pela economia e dura mais do que uns poucos meses”.
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Em uma escala global, as definições ficam ainda mais difíceis. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial preferem caracterizar uma recessão mundial como um ano em que o cidadão médio global experimenta uma queda real na renda. Eles destacam 1975, 1982, 1991, 2009 e 2020 como as datas das cinco recessões mundiais anteriores.
Embora as previsões de crescimento global para 2022 ainda pareçam distantes dessa definição. Em abril o FMI previa um crescimento anual de 3,6% para este ano – esse número considera tanto a recuperação no segundo semestre de 2021, quanto as expectativas para 2022. Mas quando o FMI analisa o crescimento que espera ao longo de 2022, a entidade já reduziu sua previsão de 4,5% em outubro do ano passado, para 2,5% em abril.
Brooks avalia que as notícias desde que essa previsão foi anunciada são suficientemente ruins para reduzir a projeção de crescimento para apenas 0,5% em 2022, menos que o aumento esperado da população. “O crescente risco de uma recessão mundial está no topo da lista de preocupações dos mercados, o que tem repercussões importantes para a psicologia do investidor”, afirma Brooks.
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A China é a grande economia com a qual a maioria dos economistas está preocupada e, na semana passada, novos dados reforçaram as preocupações em relação às suas perspectivas. Respondendo por 19% do PIB mundial, a China é agora tão grande que quando pega covid, o resto do mundo não pode ignorar seu sofrimento, especialmente por causa do impacto sobre as cadeias globais de suprimentos e sua demanda por bens e serviços de outros países.
Graves tensões estão aparecendo. Com os lockdowns se espalhando pelo país, navios fazem filas ao largo dos portos chineses e os setores manufatureiro e varejista do país já começaram a contrair. As vendas no varejo caíram 11% em abril, sobre igual mês do ano passado, enquanto a produção industrial recuou 3%. As vendas de moradias na China também caíram mais no mês passado do que no começo de 2020, com a sua economia entrando em desaceleração, apesar do afrouxamento da política monetária do Banco do Povo da China (PBoC, o banco central chinês) para encorajar a tomada de empréstimos e os gastos. O desemprego está em alta.
Kevin Xie, economista sênior para a Ásia do Commonwealth Bank of Australia, diz que os dados econômicos da China em abril foram consistentemente desapontadores. Embora as perspectivas dependam basicamente da disseminação da covid, ele acrescenta que “a queda do nível de emprego e a confiança mais fraca entre as empresas e as famílias vai conter os gastos e será um mau presságio para as perspectivas de crescimento”.
Nos EUA, a outra potência econômica mundial, a economia vem sofrendo com o legado da pandemia e, em particular, com o excessivo estímulo fiscal que, sem dúvida, aqueceu demais a economia e gerou inflação alta mesmo com aumentos modestos nos preços da energia. Ao lado de um mercado de trabalho muito apertado, o Fed foi forçado a reconhecer um erro e agora passou decisivamente para uma fase de aperto da política monetária para desacelerar o crescimento e reduzir a inflação.
A China é a grande economia com a qual a maioria está preocupada e recentes indicadores reforçaram esses temores
Jerome Powell, o presidente do Fed, foi bem claro na semana passada ao afirmar que o banco central continuará subindo as taxas de juros até ver evidências “claras e convincentes” de que a inflação está retornando para a meta de 2%. Ele não está preocupado com a possibilidade do desemprego aumentar “alguns pontos” a partir do atual nível de 3,6%.
Powell acrescentou que almeja um pouso suave para a economia, mas muitos nos mercados financeiros acreditam que poderá ser difícil conseguir isso. Krishna Guha, vice-presidente da Evercore ISI, alerta que há um risco muito maior que o normal de que a dura postura contra a inflação das autoridades, economistas e participantes do mercado se torne uma profecia autorrealizável e provoque uma desaceleração.
“Dizer que um pouso suave é possível não é dizer que ele e inevitável ou particularmente provável”, diz Guha. Embora não esteja prevendo uma recessão nos EUA, Guha afirma que “controlar a inflação sem uma recessão e um grande aumento no desemprego… será difícil”.
Do outro lado do Atlântico, a Europa enfrenta um problema igualmente difícil, mas diferente. Reino Unido à parte, a inflação decorre quase que universalmente dos maiores preços da energia, e não do superaquecimento da economia, e pode ser ligado diretamente à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Infelizmente para a União Europeia (UE), entender a causa dos problemas da Europa não diminui suas consequências. Com a inflação a 7,4% em abril, os preços na zona do euro estão aumentando muito mais rapidamente do que a renda de seus cidadãos, com impacto negativo nos padrões de vida que limitará os gastos e a recuperação da pandemia. As novas previsões da Comissão Europeia, divulgadas na semana passada, apontam uma drástica redução na estimativa de crescimento e elevação na perspectiva de inflação, que implicam na estagnação no segundo trimestre deste ano.
A Comissão acredita que a economia superará esse período difícil e retomará um ritmo crescimento razoável de cerca de 0,5% por trimestre na metade do ano, mas muitos economistas do setor privado acreditam que o golpe na renda das famílias terá efeitos mais duradouros. Christian Schulz, economista do Citigroup, diz que as previsões oficiais parecem otimistas demais e que é mais provável que “praticamente não haja crescimento no resto do ano”.
Se a dificuldade da Europa está em se ajustar aos preços muito maiores da energia, os países mais pobres têm a tarefa ainda mais difícil de lidar com o aumento acelerado dos preços dos alimentos, que respondem por mais de 30% dos gastos nos países emergentes.
Com os portos do Mar Negro, que a Ucrânia usa para exportar grãos, fechados, os temores de uma crise alimentar no fim deste ano estão crescendo. António Guterres, secretário-geral da ONU, disse na semana passada que o conflito na Ucrânia, somado às pressões existentes sobre os preços dos alimentos, “ameaça levar dezenas de milhões de pessoas à insegurança alimentar, seguida de desnutrição e fome em massa”.
Embora tenha suas próprias crises políticas e econômicas, o Sri Lanka sintetiza as terríveis escolhas enfrentadas por muitos dos países mais pobres do mundo, ao optar pelo primeiro calote em sua dívida externa na semana passada. Isso, segundo o país, foi necessário para usar sua reserva em moeda forte para importar combustíveis, alimentos e medicamentos.
Enquanto isso, a Índia intensificou os problemas em outras economias emergentes ao quebrar na semana passada uma promessa de que não iria proibir as exportações de grãos. Os preços do trigo voltaram a subir e acumulam um aumento de mais de 60% no ano.
Naturalmente, à medida que os riscos de recessão aumentam, as melhores notícias para a economia mundial seriam uma retirada da Rússia da Ucrânia e o fim da política de covid-zero na China. Mas isso está fora do alcance dos ministros da economia e outras autoridades, de modo que eles terão novamente que ajustar sua resposta às situações difíceis que enfrentam.
Na Europa e nas economias emergentes, isso envolverá proporcionar uma ajuda para enfrentar as consequências dos preços maiores dos alimentos e da energia – aumentando os benefícios e subsidiando os alimentos e a energia em países com finanças públicas suficientemente sólidas. Os EUA e o Reino Unido poderão acelerar o ciclo de aperto da política monetária, enquanto a China tentará limitar os efeitos negativos do surto da variante ômicron.
A opinião majoritária entre os economistas é de que a defesa contra a recessão mundial ainda será vitoriosa em 2022. Mas os economistas estão cada vez mais fazendo hedge de suas apostas, diante das persistentes más notícias.
Innes McFee, economista-chefe global da consultoria Oxford Economics, diz que há poucas dúvidas de que a expansão econômica mundial está próxima de um pico, que ela está desacelerando e que as autoridades terão de calcular o grau de aperto que será necessário. Mas ele diz que uma recessão ainda é improvável por enquanto, porque as autoridades ainda possuem ferramentas para recuar e estimular se as coisas piorarem. “Os riscos de recessão aumentam no ano que vem, mas não são tão grande neste momento”, diz McFee. (Tradução de Mario Zamarian)
Fonte: FT / Valor Econômico

