Além da disseminação das chamadas ‘fake news’, Webb diz que outra consequência do superciclo – “ainda mais preocupante” – se refere a novas divisões geopolíticas — Foto: Paulo Cesar Rocha
O resultado da queda de braço entre reguladores e ‘big techs’ deve ser diferente em cada país. Enquanto na Europa é esperada uma regulação mais rígida a fim de assegurar a confiança nas instituições; nos Estados Unidos, o dinheiro de gigantes como Microsoft, Apple e Google deve falar mais alto. Logo, as regras não devem frear o desenvolvimento das inovações nem mitigar totalmente os riscos envolvidos. O que se espera é o aumento da desinformação. Quem diz isso é a fundadora e CEO do Instituto Future Today, Amy Webb, que subiu ao palco do FebrabanTech, nesta quinta-feira (28), para falar a uma plateia lotada no Transamérica Expo Center, em São Paulo.
LEIA MAIS: ‘Estamos em um superciclo tecnológico único na história’, diz Amy Webb
Em entrevista exclusiva ao Valor, após o evento, a futurista afirma que esse cenário é consequência do superciclo econômico, que está sendo impulsionado, pela primeira vez na história, por três tecnologias ao mesmo tempo. São elas: inteligência artificial (IA), sensores e biotecnologia – que se torna mais palpável com a internet das coisas.
Além da disseminação das chamadas ‘fake news’, Webb diz que outra consequência – “ainda mais preocupante” – se refere a novas divisões geopolíticas. Ela dá o exemplo da empresa G42, de biologia sintética em Abu Dhabi. Por anos, essa companhia mantinha em operação máquinas de sequenciamento de genes dos Estados Unidos, da China e da Europa, cada uma em uma sala do laboratório. Até que os Estados Unidos disseram que não concordavam com isso. A saída foi a G42 escolher um lado. “Acho que vamos começar a ver mais e mais divisões, como essa, o que não é bom no futuro, especialmente quando falamos sobre sistemas de IA que esperamos que um dia pensem por si mesmas.”
Em outras palavras, a futurista teme os riscos de vieses políticos serem embutidos nos sistemas de IA, durante a aprendizagem das máquinas. “No último governo, vocês tinham [Jair] Bolsonaro e agora têm o Lula. São pensamentos totalmente diferentes. Imagine, portanto, que tivesse sido criado um sistema de IA com as ideias de Bolsonaro. Como ficaria o atual presidente nesse cenário?”, questiona. “O que quero dizer é que estou muito preocupada, pois será difícil reprogramar os sistemas.”
Até porque se hoje as tecnologias vestíveis têm capacidades limitadas de dados, no futuro, sensores vão incorporar e interpretar informações em tempo real. Também deve haver uma evolução nos softwares, que serão escritos inclusive por IA. “90% dos softwares que vamos usar nos próximos cinco anos ainda não foram escritos e poderão ser escritos por qualquer pessoa.”
Perguntada sobre a eleição dos Estados Unidos, Webb se mostrou apreensiva. Não só pela proximidade de Donald Trump do presidente russo, Vladimir Putin, que está em guerra com a Ucrânia há mais de dois anos, mas pelo posicionamento de taxar tecnologias. “Estamos bem no meio de uma tentativa de fabricar mais chips de computador. Além disso, muita IA requer tecnologia avançada de chips e tecnologia de nuvem. Então agora não é o melhor momento para Trump entrar e ter uma abordagem completamente diferente da de [Joe] Biden – não estou dizendo que Biden teve a abordagem perfeita, mas a abordagem de Trump certamente será pior.”
Sobre o Brasil, a especialista diz que o país está na vanguarda ao lado de outras economias desenvolvidas, e uma das provas disso é o aumento do número de pedidos de patentes nos últimos anos. Ainda assim, esse fato sozinho não garantirá liderança. “Vejo que muitos executivos de áreas criativas fazem transformações por medo de ficar de fora, mas as indústrias não estão se preparando para a IA.”
Para ela, muitos líderes brasileiros estão presos aos velhos hábitos com um tipo de liderança baseada na rigidez. “O problema com isso é que vivemos em um mundo mais distribuído hoje em dia e acho que novas abordagens de gestão precisam ser mais flexíveis e aproveitar a incerteza, e não reprimi-la”, afirma. “Logo, a única coisa que impede o Brasil de ser o país do futuro são vocês, pois a economia está forte, tem pessoas altamente qualificadas e possui um centro de tecnologia próspero. Só falta, na verdade, uma mudança de percepção e no estilo de gestão.”
A futurista também se diz preocupada com o futuro do jornalismo. Não da profissão em si, mas da indústria midiática. Isso porque os executivos à frente dos grandes conglomerados estão olhando apenas para os ganhos de curto prazo, ao licenciar seus materiais para empresas de tecnologia, como a OpenAI, treinar suas inteligências artificiais. “Depois disso, o que sobrará? Afinal, o grande tesouro é esse arquivo de informações que está sendo compartilhado”, questiona. “Sem falar que não houve uma conversa com os repórteres sobre os seus textos, vídeos e imagens. Por mais que os direitos autorais sejam da empresa, é a voz e o olhar de cada jornalista ali.”
Fonte: Valor Econômico

