Por Larissa Garcia — De Brasília
09/05/2022 05h04 Atualizado há 5 horas
É consenso que a inflação de 2022 ficará acima do teto da meta pelo segundo ano seguido e as projeções seguem sem previsão de alívio. Alguns bancos e casas de análise já esperam alta de 10% para o IPCA no período. Mesmo estando fora do chamado horizonte relevante do Banco Central (BC) para a condução da política monetária – que já tem 2023 como alvo – a evolução preocupa porque o indicador corrente afeta os preços futuros por meio da inércia e das expectativas inflacionárias.
O último boletim Focus, levantamento feito pelo BC com economistas do mercado, trazia projeção de 7,89% para este ano, 2,89 pontos percentuais acima do teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto para cima e para baixo. Há quatro semanas, a estimativa era de 6,97%.
A inércia mede quanto da inflação de um período foi repassada para o indicador posterior. Quando os preços sobem e se mantêm altos por um tempo, por exemplo, os salários passam a ser reajustados também a taxas altas e isso gera ainda mais inflação. Essa dinâmica é incorporada aos modelos de economistas que, diante de elevação no curto prazo, esperam impacto disso no futuro.
Em seu mais recente relatório de inflação, publicado em março, o BC apontou probabilidade de descumprimento da meta em 88%, mas o cenário se deteriorou de lá para cá. Todos os economistas ouvidos pelo Valor consideram improvável que a inflação termine o ano dentro do intervalo, mesmo com sete meses ainda pela frente.
“Não é cedo para dizer que a inflação deste ano vai fechar acima do teto. Se cortar as variáveis do meu modelo pela metade, que seria bem otimista, minha projeção ainda ficaria em 6,64% [acima do limite superior]”, diz André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica.
O cumprimento da meta de inflação deste ano saiu da mira do Comitê de Política Monetária (Copom) na reunião da última quarta-feira, que levou a taxa básica de juros a 12,75% ao ano. O BC passou a olhar integralmente para 2023 no horizonte relevante, para quando o colegiado entende que a política monetária tem efeito.
Segundo o BC, os movimentos da Selic são transmitidos para a economia com defasagem. O impacto de uma elevação feita hoje será percebido, no mínimo, daqui a nove meses. Isso não significa, contudo, que os resultados de curto prazo não influenciam as decisões do Copom, porque afetam as expectativas futuras. As projeções para 2023, por exemplo, também aumentaram na última semana e estão em 4,10%. O centro da meta do próximo ano é de 3,25%.
“A inflação no Brasil está acima do teto da meta desde março de 2021, e nós esperamos que retorne ao esperado em novembro de 2023, ficando 33 meses acima do seu objetivo. Seria o segundo processo inflacionário mais prolongado da história desde a criação do sistema de metas”, afirma Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil.
Srour ressalta que, quanto mais pressionada, mais inércia a inflação gera. “Os agentes econômicos buscam mecanismos para se proteger da inflação em processos inflacionários. O custo em termos de atividade e emprego para reduzir a inflação causada pelo aumento da inércia e das expectativas é bastante alto. Ou seja, o estabelecimento de uma maior inflação neste ano exigirá um período mais prolongado de juros restritivos ou ainda mais elevados”, diz.
Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, destaca que a inflação deste ano tem grande peso nas expectativas para 2023. “Ao mesmo tempo em que não faz mais parte do horizonte [2022], a inércia e as expectativas têm impacto na política monetária. Uma maneira de ver isso é olhar como o Copom enfatiza que os passos futuros podem ser ajustados e que dependem da evolução de algumas variáveis de curto prazo.”
Para o professor de economia da FGV-SP Marcelo Kfoury, boa parte da inflação do ano passado veio de pressões externas, choques e desvalorização cambial. “Ainda temos o retorno de casos [de covid-19] na China, que pode provocar nova interrupção das cadeias produtivas e gerar mais problemas de oferta. Por isso a tendência é de crescimento das expectativas”, ressalta.
O economista-chefe da Santander Asset, Eduardo Jarra, lembra que, entre as reuniões de março e de maio do Copom houve deterioração do cenário, com percepção de inflação ainda mais resistente. “Somente via canal de inércia, já temos um efeito relevante contratado para 2023 e novos choques estão no radar”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

